quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Autocontrole: do teste do marshmallow a um conceito behaviorista radical

Autor: Daniel Gontijo

Na década de 60, Walter Mischel e colaboradores elaboraram o famoso teste do marshmallow -- um marco importante para as pesquisas sobre autocontrole. Nesse teste, crianças de quatro anos de idade foram deixadas sozinhas em uma sala com um delicioso marshmallow à vista. Se quisessem, poderiam comê-lo imediatamente; mas, se conseguissem aguardar pelo retorno do pesquisador (cerca de quinze minutos), elas ganhariam um marshmallow extra! Deve ser fácil para um adulto, mas cerca de 70% daquelas crianças ficaram apenas com o prato de entrada (Lehrer, 2009).


Geralmente, desejamos controlar as respostas que provavelmente produzirão consequências aversivas. Um rapaz que corteja uma moça não rirá de seu cabelo embaraçado (ou levará um fora); um cruzeirense não comemorará o gol de seu time num bar de atleticanos (ou apanhará); uma garota que está soluçando em sala de aula prenderá sua respiração e beberá um pouco de água (ou será amolada por seus colegas). Como uma resposta pode levar, em diferentes momentos, a duas ou mais consequências, um impasse pode se configurar. Se nos entregamos a uma dieta deliciosa mas exageradamente calórica, teremos um corpo cada vez menos esbelto e uma expectativa de vida paulatinamente reduzida. No desafio bolado por Mischel e cols., comer o marshmallow resultaria em deixar de ganhar uma gostosura adicional mais tarde. Afinal, como abrir mão de prazeres imediatos para obter maiores ganhos futuros?

Ao analisar os vídeos de seu experimento, Mischel chegou à conclusão de que as crianças que conseguiram resistir ao marshmallow apresentaram uma alocação estratégica da atenção. Ao fechar os olhos, esconder-se debaixo da mesa ou cantar uma canção, essas crianças estariam tirando o foco da tentação. Mischel: "Se você está pensando no marshmallow e sobre como ele é gostoso, então você irá comê-lo [...] O segredo é, em primeiro lugar, evitar pensar sobre isso" (Lehrer, 2009, tradução minha).

Diferentes estratégias, diferentes resultados.
Muitos comportamentos de adultos são análogos aos apresentados pelas crianças que obtiveram os dois marshmallows. Por exemplo, uma mulher que compra compulsivamente pode, para se controlar, limitar o crédito de seu cartão, desviar o olhar das vitrines e até mesmo deixar de ir a shoppings. Nesses casos, o controle sobre a resposta indesejável é exercido na medida em que o indivíduo evita se expor a situações que a induziriam.

Algumas pessoas podem dizer que as "estratégias de evitação" (como as respostas de fuga e esquiva) não condizem com o que costumamos chamar de autocontrole. Em vez disso, controlar-se seria inibir uma resposta iminente (isto é, que está prestes a ocorrer) ou em ocorrência. Uma criança que para de escalar um móvel ao ver a carranca de sua mãe estaria inibindo uma resposta corrente, e um jovem que por muito pouco não xinga um policial com um palavrão estaria inibindo uma resposta iminente. Pode-se questionar se essas respostas não são, na verdade, "inibidas" pela presença da mãe e do policial, mas alguém poderia afirmar que a presença deles apenas estimula o chamado controle inibitório. Mas o que é inibir uma resposta?

Para Skinner (1953/2003), controlar-se corresponde basicamente a manipular o próprio comportamento, isto é, a agir de tal forma que certas respostas se tornem menos ou mais prováveis de ocorrer. A resposta controladora é modelada e mantida por suas consequências. Se pintar um xis na mão (resposta) ajudar uma idosa a lembrar de pagar sua conta de energia (consequência; resposta controlada), respostas desse tipo podem passar a ser emitidas em novas e similares ocasiões (em que se precisa, por exemplo, lembrar de ligar para a prima adoentada). Acerca do controle inibitório, o raciocínio não é diferente. Ao que parece, inibir uma resposta é simplesmente agir de forma que uma resposta corrente ou iminente seja cessada ou suprimida. Por exemplo, Skinner (ibidem) comenta que podemos suprimir "nosso próprio comportamento relembrando punições passadas ou repetindo provérbios" que descrevem o "preço do pecado" (p. 259). Nesse e em outros casos, a lógica da inibição de respostas é a mesma das estratégias de evitação: controlar uma resposta através de uma outra resposta.

Diferentes conceitos, diferentes interpretações

Num engenhoso estudo recente, Kidd, Palmeri e Aslin (2013) decidiram testar se a confiança de crianças nos pesquisadores afetariam seu desempenho no teste do marshmallow. Inicialmente, as crianças foram convidadas a fazer um desenho para decorar um copo que ganhariam no final da atividade. Em vez de usar os lápis de cor gastos que estavam sobre a mesa, elas poderiam esperar que o pesquisador saísse da sala e voltasse com um material novo e melhor. Na verdade, os lápis usados estavam fortemente lacrados num frasco, o que as obrigava a aguardar pelo retorno do pesquisador. Após alguns minutos de espera, metade das crianças obteve o novo material (condição de confiança), e a outra metade, não (condição de não confiança; o pesquisador inventou uma desculpa). Tendo finalizado o desenho, todas as crianças foram submetidas ao teste do marshmallow. Resultado: uma proporção muito maior de crianças que passaram pela condição de confiança conseguiu resistir ao marshmallow -- e, mesmo entre as que não conseguiram, seu tempo médio de espera foi maior. Os pesquisadores concluíram que as crenças e as expectativas das crianças sobre o pesquisador, e não apenas seu autocontrole, afetaram sua decisão de esperar ou não pelo segundo marshmallow.

Na condição de não confiança, apenas uma das quatorze crianças (7,1%) resistiu ao marshmallow (15 minutos). Na condição de confiança, 9 crianças (64,3%).

Como visto, Kidd e cols. diferenciaram autocontrole (ou "inibir uma resposta imediata") de crenças e expectativas. Eles concluíram que o tempo de espera das crianças indicou -- ou foi causado por -- sua confiança no pesquisador, e aludiram que o autocontrole é alguma coisa diferente disso. Mas o que é controlar-se, e que tipo de respostas observáveis poderiam, em seu experimento, ao menos ser indicativas de autocontrole? Os pesquisadores parecem ter optado por se esquivar dessas questões complicadas.

Pelo prisma behaviorista, qualquer resposta das crianças que as tenha ajudado a não comer o marshmallow pode ser considerada como controladora.(2) Por isso, podemos dizer que confiar no pesquisador é um comportamento que compõe ou faz parte do autocontrole, onde "confiar" equivale a lembrar da regra em jogo e segui-la: "Se você não comer esse marshmallow, ganhará dois deles quando eu voltar". Seguir essa regra refere-se a fazer qualquer outra coisa, desde colocar uma mão sobre o peito e cantar o hino nacional até cerrar os dentes e se lembrar do que aconteceu há uns minutos atrás ("Se ele promete, ele cumpre").(3) O estudo de Kidd e cols. demonstra não só que, por seus efeitos, as regras podem fazer parte do autocontrole, mas também que podem ser mais efetivas quando o comportamento de quem as verbaliza é consistente.(4)

Considerações finais

Se admitirmos que controlar-se é um fenômeno comportamental, cabe ao pesquisador identificar as respostas que eventualmente o compõem; e, à medida que isso é feito, resta descobrir (ou observar e descrever) os processos que o produzem e o mantém. Mischel propôs que o autocontrole implica em alocar a atenção de modo estratégico, mas os comportamentos que ele observou para concluir isso sugerem algo mais. As crianças que superaram seu desafio não apenas tiraram a atenção do marshmallow: elas estavam emitindo outras respostas (cantando e se escondendo, por exemplo). Quando um médico orientou-me a segurar minhas mãos atrás das costas enquanto ele extraía um bicho de pé, ele fez bem mais que me ajudar a tirar o foco da dor: com as mãos fortemente cruzadas, a probabilidade de eu empurrá-lo ou me mexer demais foi diminuída. Pelo estudo de Kidd, Palmeri e Aslin (2013), podemos presumir que as regras, enquanto descrições encobertas de contingências, são uma peça fundamental no controlar-se.

Conceber o autocontrole como qualquer modo de manipular o próprio comportamento é útil contra a invenção de entidades ou forças mentais hipotéticas que quase não nos ajudam em pesquisa, na clínica e no cotidiano. Não conseguimos muito ao pedir aos outros para que tenham "força de vontade", e as estratégias atencionais parecem ser apenas uma parte da história. Embora muitos paradigmas computadorizados venham sendo desenvolvidos para avaliar respostas controladoras, eles não lançam luz sobre como os indivíduos as adquiriram. A propósito, Skinner nos lembra que descobrir isso não resulta em convencer os indivíduos a mudarem seus hábitos:

O mero levantamento das técnicas de autocontrole não explica por que o indivíduo as põe em funcionamento. Esse defeito é bem aparente quando nos empenhamos em gerar o autocontrole. É fácil dizer ao alcoólatra que pode evitar a bebida jogando fora todos os suprimentos de álcool; o principal problema é fazê-lo agir assim (p. 263).

Como convencer as crianças a comerem cenoura e espinafre? Como um adolescente impulsivo pode passar a ser cauteloso com as drogas e com o sexo? Como intervir para que nossos clientes consigam quebrar seus rituais, suas compulsões? As pesquisas são custosas e o caminho ainda é nebuloso, mas os ganhos com se matar as charadas do autocontrole certamente valerão nossos esforços. Confiem em mim.


Notas

(1) Regras são descrições verbais de contingências, isto é, verbalizações que descrevem respostas e suas respectivas consequências.
(2) Vale dizer que, se uma criança não gosta de marshmallow ou está, no momento do teste, saciada de doces, estaríamos enganados ao concluir que seu comportamento de brincar ou se debruçar sobre a mesa a ajudou a se controlar (se não há uma grande chance de ela comer a guloseima, não há o que ser controlado). Por isso, é importante traçar a linha de base das respostas a serem avaliadas e estar ciente de eventos recentes que podem ter interferido no andamento dos testes.
(3) Como se vê, a perspectiva behaviorista radical questiona a existência de uma entidade que seja o autocontrole em si. São os efeitos ou as consequências de uma resposta (controlar uma outra resposta) que a caracterizam como controladora.
(4) Curiosamente, a efetividade da regra no estudo desses pesquisadores pode ter sido em parte modulada por uma nova regra: "Se ele promete, ele cumpre".

Referências

  • Lehter, J. (2009). DON'T: The Secret of Self-Control. The New Yorker. Para acessar a matéria, visite: http://www.newyorker.com/reporting/2009/05/18/090518fa_fact_lehrer?currentPage=all
  • Skinner, B. F. (2003). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes. Originalmente publicado em 1953.
  • Kidd, C., Palmeri, H., & Aslin, R. (2013). Rational snacking: young children's decision-making the marshmallow task is moderated by belief about environmental reliability. Cognition, 126, 109-114.

17 comentários:

  1. Bem bacana o blog! Um grande abraço.

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  2. Eu realmente não sabia desse pormenores do experimento, como a parte dos lápis para colorir. Essa variável se tornou muito importante para demonstrar que a história influencia muito.

    Quanto as perguntas, realmente, parece muito difícil ensinar alguém a abandonar comportamentos com um forte histórico de reforçamento, como seriam os casos das compunções. Mas, não podemos esquecer que para isso devemos quebrar as contingências em partes menores, é quase impossível fazer uma criança comer um prato de espinafre logo de cara, ou tornar um adolescente abstêmio de uma hora para outra.

    O que devemos fazer é treinar aos poucos o autocontrole da pessoa, começando com tarefas fáceis e que não vão exigir muito do indivíduo, aumentando gradativamente a dificuldade das mesmas... Ex: uma pessoa que é viciada em doce. Depois de determinado as contingências que a levam a consumir grandes quantidades de doce, nós devemos demonstrar a ela essas contingências e fazer não apenas um treino para que ela evite-as, mas também um treino para que ela possa emitir outros comportamentos diante daquelas contingências. Começando com o doce que ela menos gosta e aumentando a dificuldade disso aos poucos.

    Dessa forma, ela vai entrar em contato com outros reforçadores presentes em contingências parecidas, diminuindo o valor reforçador do doce.

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  3. Belo texto, Daniel! A orientação do médico ao extrair o bicho de pé exemplifica bem o papel da emissão de respostas incompatíveis no autocontrole. Cruzar as mãos para trás é um responder incompatível com o empurrar o médico. Mas creio que formas mais refinadas de autocontrole envolverão sempre descrever, na medida do possível, como o ambiente controla nosso responder, planejar mudanças no ambiente, e, consequentemente, mudanças em nós mesmos e em nosso responder. Penso que o autocontrole muitas vezes está relacionado ao autoconhecimento.
    Abraço!

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  4. Muito bom! Gostei da exposição e do rigor das explicações.

    Ao final do texto, fiquei pensando em algumas coisas...
    Exemplificando:

    Você explicita para o bebedor compulsivo a regra "se você frequentar o bar terá vontade de beber", essa regra é modulada por outra regra, por exemplo, "as coisas que esse psicoterapeuta fala são confiáveis e correspondem à realidade", e essa regra, por sua vez, é modulada por outra, tipo, "a psicologia consegue curar as pessoas".

    Não sei se estou usando o conceito adequado de regra, talvez esteja aí o problema. Fiquei com a seguinte dúvida... quer dizer.. onde essa questão vai parar? As regras poderiam se modular e serem moduladas infinitamente? Fica parecendo um jogo de espelhos que nunca acaba...

    Um abraço!



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