quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Autocontrole: do teste do marshmallow a um conceito behaviorista radical

Autor: Daniel Gontijo

Na década de 60, Walter Mischel e colaboradores elaboraram o famoso teste do marshmallow -- um marco importante para as pesquisas sobre autocontrole. Nesse teste, crianças de quatro anos de idade foram deixadas sozinhas em uma sala com um delicioso marshmallow à vista. Se quisessem, poderiam comê-lo imediatamente; mas, se conseguissem aguardar pelo retorno do pesquisador (cerca de quinze minutos), elas ganhariam um marshmallow extra! Deve ser fácil para um adulto, mas cerca de 70% daquelas crianças ficaram apenas com o prato de entrada (Lehrer, 2009).


Geralmente, desejamos controlar as respostas que provavelmente produzirão consequências aversivas. Um rapaz que corteja uma moça não rirá de seu cabelo embaraçado (ou levará um fora); um cruzeirense não comemorará o gol de seu time num bar de atleticanos (ou apanhará); uma garota que está soluçando em sala de aula prenderá sua respiração e beberá um pouco de água (ou será amolada por seus colegas). Como uma resposta pode levar, em diferentes momentos, a duas ou mais consequências, um impasse pode se configurar. Se nos entregamos a uma dieta deliciosa mas exageradamente calórica, teremos um corpo cada vez menos esbelto e uma expectativa de vida paulatinamente reduzida. No desafio bolado por Mischel e cols., comer o marshmallow resultaria em deixar de ganhar uma gostosura adicional mais tarde. Afinal, como abrir mão de prazeres imediatos para obter maiores ganhos futuros?

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Tradução de entrevista concedida por B. F. Skinner a Emilio Ribes-Iñesta em 25 de janeiro de 1990


Tradução: Vinícius Garcia

Uma entrevista não-publicada com B. F. Skinner

Emilio Ribes-Iñesta

Entrevista com B. F. Skinner (25 de janeiro de 1990)

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1) Por que você escolheu o modelo reflexo – radicalmente modificado – para formular a taxonomia e a metodologia fundamentais para o desenvolvimento de uma teoria sobre o comportamento?

Skinner: Eu fiquei interessado em reflexos após ler livros de Pavlov, Sherrington e Magnus. Isso não foi uma boa preparação para minha pesquisa. Reflexos se referem às respostas de órgãos.  Minha pesquisa me levou para a variação e seleção do comportamento do organismo como um todo.

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2) Em seus escritos, você admite que o comportamento é ordenado – como qualquer fenômeno natural estudado pela ciência positiva. Você pensa que essa suposição influenciou sua concepção sobre teoria como linguagem de dados [data-language] e o estudo do comportamento como controle tecnológico? Você pensa que dados são independentes de teoria, ou, ao contrário, que eles são teoricamente determinados? [Os escritos aqui mencionados são: Skinner , 1931, 1935, 1956].

Skinner: Eu admiti que o comportamento era ordenado e esse pressuposto básico foi, sem dúvida, importante para mim em todas as fases da minha carreira. Eu não considerei isso como um pressuposto essencial, no entanto. Eu acho que dados são independentes da teoria, embora teorias determinem a seleção dos dados. Essa é uma das coisas que tenho contra teorias. Todos os dados devem ser considerados. 

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3) Como você concebe sua análise do comportamento? Como uma análise molar ou molecular? A seleção de uma propriedade representativa do fluxo comportamental deixa em aberto ambas as interpretações. [Nota do entrevistador: como um ponto de referência, Logan (1960) argumentou que a distinção molar X molecular está relacionada à regra de agregação em relação a respostas qualitativamente diferentes. O grau de restrições ao definir a qualidade de uma resposta estabelece os limites entre uma classe molar ou molecular. Quanto maior o número de respostas explícita e qualitativamente diferentes em uma classe, mais molar é a definição de uma classe de respostas. Por outro lado, a maior restrição possível consiste em especificar uma qualidade única do responder, o que faz com que a definição dessa classe de resposta seja molecular. O mesmo critério pode ser aplicado para analisar a distinção macro-micro como uma agregação de comportamentos qualitativamente diferentes.]

Skinner: A distinção entre molar e molecular nunca foi importante para mim. Ela é usada de muitas maneiras diferentes. Se ela significa a diferença entre como o organismo funciona, algo a ser revelado eventualmente pela fisiologia (molecular), e por que o organismo funciona dessa maneira e por que muda de momento a momento durante a vida do indivíduo (molar), então eu estou do lado molar. Não tenho interesse algum em como o organismo funciona.


sábado, 6 de outubro de 2012

Estilos cognitivos, problemas matemáticos e Deus

Autor: Daniel Gontijo

Recentemente, li um estudo interessante cujos resultados demonstram uma relação significativa entre o desempenho em problemas matemáticos e a convicção com que se crê em Deus (Shenhav, Rand e Greene, 2011). Em vez de avaliarem habilidades matemáticas, a intenção dos pesquisadores foi verificar a tendência dos participantes de dar respostas intuitivas ou refletidas a questões que, na verdade, eram "pegadinhas" -- ou enunciados que induziam respostas intuitivamente atrativas, mas erradas. Essas tendências, concebidas como estilos cognitivos, explicariam a força com que as pessoas acreditam em Deus e -- como no caso da matemática -- a forma como se comportam em outros contextos da vida.


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Relations between kleptomania and anxiety: some notes on the role of negative reinforcement*

Author: Vinícius Garcia

While treating a case involving response classes that characterized the so-called kleptomania, I performed a functional assessment of the behavior of compulsive stealing. The results strongly suggested that the behavior of stealing occurred only when the client was feeling anxious for long periods. The chronic anxiety for prolonged times always preceded episodes of stealing. As is common in cases of kleptomania, the client, in most cases, used to steal objects of little or no value. From the beginning, it was quite clear that the stolen objects or values ​​did not bear any relation with the material needs of the client.

Throughout therapy, the client was able to describe that when he was feeling very anxious under anxiogenic stimuli, over which he had no control, he used to engage in behavior that also produced anxiogenic contexts, but on which he could have relative control. That is, when feeling constantly and chronically anxious under various contexts involving uncontrollability, he then used to involve himself in contexts that could produce sudden and acute anxiety. These contexts, however,  were controllable. In such controllable contexts, he could be caught when stealing or he could get away and feel immediate relief from anxiety. This kind of behavior did not result in lasting relief from anxiety, only in immediate alleviation. The kleptomaniac behavior was therefore maintained by negative reinforcement by soften momentarily the chronic anxiety produced by previous uncontrollable anxiogenic stimuli, through the cessation of controllable anxiogenic stimuli.



terça-feira, 2 de outubro de 2012

Relações entre cleptomania e ansiedade: alguns apontamentos sobre o papel do reforçamento negativo*

Autor: Vinícius Garcia

Ao tratar um caso que envolvia comportamentos que caracterizavam a chamada cleptomania, realizei uma análise funcional do comportamento de furto compulsivo. Os resultados sugeriram fortemente que o comportamento de furtar ocorria apenas quando o cliente estava se sentindo ansioso por longos períodos. A ansiedade crônica por períodos prolongados precedia sempre os episódios de furto. Como é comum em casos de cleptomania, o cliente, na maioria das vezes, furtava objetos sem qualquer valor, ou mesmo notas de um ou dois reais. Desde o início, estava bastante claro que os objetos ou valores furtados não mantinham nenhuma relação com as necessidades materiais do cliente.


quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O quanto sabemos sobre nós mesmos

Autor: Nicolau Chaud(1)
Seção Circulando Ideias

Uma das principais contribuições de Skinner diante das formas anteriores de comportamentalismo e à Psicologia como um todo foi a asserção de que eventos privados estão sujeitos às mesmas leis naturais que outros eventos comportamentais. Com isso, pensamentos, emoções e imaginação saíram do limbo onde haviam sido colocados pelos behavioristas metodológicos, mas também desceram do pedestal onde eram mantidos pelas psicologias mentalistas, passando a ocupar posição de igualdade com outros eventos comportamentais, pelo menos de um ponto de vista epistemológico.

Apesar da proposição, existe um viés cultural que dá importância especial àquilo que ocorre “debaixo da pele”. No senso comum, o acesso a eventos privados seria responsável pelo fato de uma pessoa ter um conhecimento sobre si próprio (autoconhecimento – tomado como repertório autodescritivo) superior ao conhecimento que outras pessoas tem dela. Em uma visão comum, nossas ideias, pensamentos e emoções definem aquilo que nos torna únicos e especiais. Tal viés ainda permeia algumas análises comportamentais, como ocorre às vezes em descrições sobre emoções, auto-regras e autoconhecimento.

Surge um impasse na tentativa de explicar tal forma de autoconhecimento em uma análise comportamental quando reconhecemos que o conhecimento sobre si próprio é construído nas relações interpessoais. Relatos sobre o próprio comportamento são aprendidos mediante contingências dispostas pela comunidade verbal, e tais contingências só podem operar quando essa comunidade tem acesso ao nosso comportamento. O que acontece quando nosso comportamento não é acessível por ninguém mais além de nós mesmos?


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Termos psicológicos disposicionais em análise do comportamento

Autor: Daniel Gontijo

Há um tempo atrás, trombei com o interessante artigo "Termos psicológicos disposicionais e análise do comportamento". Nele, Filipe Lazzeri e Jorge M. Oliveira-Castro (2010) discutem a crítica de Skinner sobre o uso de termos mentalistas e vernaculares em uma ciência do comportamento. Para o fundador do behaviorismo radical, termos como "inteligência", "extroversão" e "responsabilidade" -- alguns exemplos de termos psicológicos disposicionais (TPDs) -- seriam inadmissíveis, porquanto "coisificariam" ou "substancializariam" fenômenos comportamentais. Se os admitíssemos, correríamos o risco de deixar que eles tomem para si o papel de explicar certos comportamentos, incorrendo portanto num dos problemas básicos do internalismo. Mas Lazzeri e Oliveira-Castro veem uma solução para esse impasse: em vez de tratá-los como entidades, construtos ou variáveis latentes que causam ou dão início ao comportamento, podemos concebê-los como termos que fazem menção a certas respostas que ocorrem regularmente em certos contextos.