Autor: Ramon Cardinali
O preconceito acadêmico é um fenômeno comum e razoavelmente compreensível. Nós simplesmente não temos tempo e recursos suficientes para nos aprofundar no estudo de todas escolas filosóficas, psicológicas, sociológicas etc., e em decorrência disso, as chances de que nós venhamos a desenvolver concepções reduzidas/simplificadas de tudo aquilo que foge aos nossos interesses mais imediatos são bastante elevadas. Soma-se a isso o fato de inúmeros fatores sócio-culturais (dentro e fora do âmbito acadêmico) se agregarem no sentido de favorecer o surgimento e a manutenção de uma espécie de "culto à autoridade", onde muito do que é dito por doutores, professores e cientistas é tomado como verdade absoluta e instantânea.
Quando
alguém afirma que não gosta da Psicanálise porque ela "interpreta todos
os fenômenos humanos apenas em termos de sexualidade" (ou em versão
taquigráfica: pra Psicanálise "tudo é sexo!"), evidencia a formação
daquilo que estou chamando de um preconceito acadêmico - no caso, uma
descrição excessivamente simplificada/reduzida da teoria psicanalítica.
Será que esta pessoa -
nosso crítico fictício da Psicanálise - já se debruçou sobre as
discussões a respeito da noção de "sexo" em Freud? Mais do que isso,
será que ela tem o mínimo
de interesse e ou condições (tempo e recursos principalmente) de fazer
isto? Provavelmente ela construiu uma concepção simplificada da
Psicanálise baseada única e exclusivamente naquilo que ouviu falar ou
leu de maneira despretenciosa.¹
Por outro lado, há momentos em que esta redução/simplificação se torna um valioso recurso argumentativo, adotado de maneira consciente por acadêmicos que desejam ressaltar a "profundidade" ou relevância de uma determinada concepção em detrimento de outra - este procedimento se enquadra bem naquilo que se convencionou chamar de falácia do espantalho.
Um exemplo da argumentação falaciosa descrita acima pode ser encontrado nos momentos em que o psicólogo evolucionista Steven Pinker se propõe a criticar o behaviorismo de B.F. Skinner, simplificando ao máximo a concepção skinneriana com o intuito tornar sua concepção (a Psicologia Evolucionista) ainda mais relevante para o público. (Mais informações sobre este caso específico podem ser encontradas aqui) |
A formação de preconceitos acadêmicos como os apresentados acima é recorrente no meio acadêmico e de maneira geral nenhuma
concepção-a-respeito-de-alguma-coisa está imune a este fenômeno.
Para nos aprofundarmos um pouco mais neste problema, gostaria de fazer uma breve digressão, contrapondo alguns trechos da obra de dois autores: Auguste Comte (1798-1857) e Edgar Morin (1921-). O primeiro é muitas vezes conhecido como o "pai da Sociologia" e fundador do Positivismo - o segundo, como idealizador da epistemologia da Complexidade, ou pensamento complexo. Devo ressaltar de antemão que foge completamente às minhas pretensões elaborar uma exposição e análise completa da obra destes autores. Irei apenas contrapôr alguns trechos específicos de textos específicos que me permitirão explicitar ainda mais algumas das consequências negativas do preconceito acadêmico.
Para nos aprofundarmos um pouco mais neste problema, gostaria de fazer uma breve digressão, contrapondo alguns trechos da obra de dois autores: Auguste Comte (1798-1857) e Edgar Morin (1921-). O primeiro é muitas vezes conhecido como o "pai da Sociologia" e fundador do Positivismo - o segundo, como idealizador da epistemologia da Complexidade, ou pensamento complexo. Devo ressaltar de antemão que foge completamente às minhas pretensões elaborar uma exposição e análise completa da obra destes autores. Irei apenas contrapôr alguns trechos específicos de textos específicos que me permitirão explicitar ainda mais algumas das consequências negativas do preconceito acadêmico.
Em determinado momento da produção de suas obras, tanto Morin quanto Comte elaboraram críticas ao processo de "hiperespecialização" (nos termos de Morin) ou "especialização excessiva" (nos termos de Comte) do saber científico.
Em linhas gerais, trata-se de uma crítica a uma constatação feita por
ambos, a saber, de que a ciência tem progredido através da excessiva
compartimentalização de seus problemas - o que acaba por resultar em
profissionais especializados, pouco capazes de dialogar com as demais
disciplinas científicas. Ademais, a multiplicação desenfreada das
especialidades científicas aumenta as fronteiras interdisciplinares e
reduz a probabilidade de que o conhecimento produzido por estas
diversas disciplinas possam ser integrados em visões globais, coerentes e
bem contextualizadas.
Deixemos
os próprios autores nos ajudarem no restante desta digressão. Meus
comentários e grifos apenas ressaltarão os pontos de contato entre o
pensamento de ambos.
Este processo de especialização excessiva das disciplinas científicas tem o seu lado positivo, como afirma Comte:
Este processo de especialização excessiva das disciplinas científicas tem o seu lado positivo, como afirma Comte:
Entretanto, já na primeira metade do século XIX, Comte começa a vislumbrar alguns aspectos negativos deste processo:"É a essa repartição de diversas espécies de pesquisas entre diferentes ordens de sábios que devemos, evidentemente, o desenvolvimento tão notável que tomou, enfim, em nossos dias, cada classe distinta dos conhecimentos humanos[...]"²
"Embora reconhecendo os prodigiosos resultados dessa divisão, vendo de agora em diante nela a verdadeira base fundamental da organização geral do mundo dos cientistas, é impossível não se aperceber dos inconvenientes capitais que engendra em seu estado atual, em virtude da excessiva particularidade das idéias de que se ocupa exclusivamente cada inteligência individual."
Em seguida, Comte chama a atenção para a importância de remediarmos "este mal antes que se agrave", e afirma que:
"[...]hoje cada uma dessas ciências tomou separadamente extensão suficiente para que o exame de suas relações mútuas possa dar lugar a trabalhos contínuos, ao mesmo tempo que essa nova ordem de estudos torna-se indispensável para prevenir a dispersão das concepções humanas."
Comte expõe a sua solução da seguinte maneira:
Morin, assim como Comte mais de um século antes, também elabora sua reflexão sobre o problema da hiperespecialização do conhecimento científico (apesar de em alguns momentos apontar o "positivismo" como uma corrente totalmente contrária à sua epistemologia da complexidade), e afirma que a ciência atual tem necessidade
"O verdadeiro meio de cessar a influência deletéria que parece ameaçar o porvir intelectual, em conseqüência duma demasiada especialização das pesquisas individuais, não poderia ser, evidentemente, voltar a essa antiga confusão de trabalhos, que tenderia a fazer retroceder o espírito humano e que se tornou hoje, felizmente, impossível. Consiste, ao contrário, no aperfeiçoamento da própria divisão de trabalho. Basta fazer do estudo das generalidades científicas outra grande especialidade.
Que uma classe nova de cientistas, preparados por uma educação conveniente, sem se entregar à cultura especial de algum ramo particular da filosofia natural, se ocupe unicamente, considerando as diversas ciências positivas em seu estado atual, em determinar exatamente o espírito de cada uma delas, em descobrir suas relações e seus encadeamentos, em resumir, se for possível, todos os seus princípios próprios num número menor de princípios comuns, conformando-se sem cessar às máximas fundamentais do método positivo. Ao mesmo tempo, outros cientistas, antes de entregar-se a suas especialidades respectivas, devem tornar-se aptos, de agora em diante, graças a uma educação abrangendo o conjunto dos conhecimentos positivos, a tirar proveito das luzes propagadas por esses cientistas votados ao estudo de generalidades e, reciprocamente, a retificar seus resultados, estado de coisas de que os cientistas atuais se aproximam cada vez mais. [...] Existindo uma classe distinta, incessantemente controlada por todas as outras, tendo por função própria e permanente ligar cada nova descoberta particular ao sistema geral, não cabe mais temer que demasiada atenção seja dada aos pormenores, impedindo de perceber o conjunto."
Em
suma, Comte propõe um trabalho de reflexão constante sobre o modo como às disciplinas científicas se relacionam umas as outras e as eventuais
consequências destes entrelaçamentos. Além disso, propõe também um
processo educacional que conscientize os futuros cientistas da
existência de tais relações e do modo como elas ocorrem.
Ao
contrário de Comte (autor pouco reconhecido por propostas como a
apresentada acima), Morin é um autor contemporâneo que obteve grande
reconhecimento no final do século XX por elaborar uma proposta que, pelo menos em alguns aspectos, se assemelha à de Comte: a noção de pensamento complexo.
"[...] não apenas de um pensamento apto a considerar a complexidade do real, mas desse mesmo pensamento para considerar sua própria complexidade e a complexidade das questões que ela levanta para a humanidade. É dessa complexidade que se afastam os cientistas não apenas burocratizados, mas formados segundo os modelos clássicos do pensamento. Fechados em e por sua disciplina, eles se trancafiam em seu saber parcial, sem duvidar de que só o podem justificar pela idéia geral a mais abstrata, aquela de que é preciso desconfiar das idéias gerais!"³
No momento em que condena os chamados "modelos clássicos de pensamento", ele frequentemente se refere ao pensamento moderno (em contraposição ao pós-moderno), que tem o Positivismo como um de seus expoentes.
De todo modo, Morin sugere que passemos a fazer "ciência com consciência" - uma ciência capaz de pensar o seu próprio processo de desenvolvimento das fronteiras interdisciplinares e que esteja apta a construir "pontes" que conectem uma disciplina a outra, promovendo um quadro que ele chama de transdisciplinaridade. Em suas palavras:
De todo modo, Morin sugere que passemos a fazer "ciência com consciência" - uma ciência capaz de pensar o seu próprio processo de desenvolvimento das fronteiras interdisciplinares e que esteja apta a construir "pontes" que conectem uma disciplina a outra, promovendo um quadro que ele chama de transdisciplinaridade. Em suas palavras:
"De toda parte surge a necessidade de um princípio de explicação mais rico do que o princípio de simplificação (separação/ redução), que podemos denominar princípio de complexidade. É certo que ele se baseia na necessidade de distinguir e de analisar, como o precedente, mas, além disso, procura estabelecer a comunicação entre aquilo que é distinguido: o objeto e o ambiente, a coisa observada e o seu observador. Esforça-se não por sacrificar o todo à parte, a parte ao todo, mas por conceber a difícil problemática da organização[...]"
Afirma por fim:
"Precisamos, portanto, para promover uma nova transdisciplinaridade, de um paradigma que, decerto, permite distinguir, separar, opor, e, portanto, dividir relativamente esses domínios científicos, mas que possa fazê-los se comunicarem sem operar a redução. O paradigma que denomino simplificação (redução/separação) é insuficiente e mutilante. É preciso um paradigma de complexidade, que, ao mesmo tempo, separe e associe, que conceba os níveis de emergência da realidade sem os reduzir às unidades elementares e às leis gerais."Morin dá o nome de pensamento complexo à sua proposta justamente por definir "complexus" como "aquilo que é 'tecido' junto'", justificando assim a necessidade de uma abordagem transdisciplinar, que dê conta de lidar com o mundo de forma integrada e não mutilada - da mesma forma que Comte já considerava as fronteiras entre disciplinas científicas como criações humanas; artificiais.
Não obstante, assim como também pudemos ler nas citações anteriores de Comte, Morin salienta a importância de se reformular o processo educacional nos moldes de seu pensamento complexo - chegando ao ponto de explicitar esta proposta em um livro chamado "Os sete saberes necessários à educação".
O problema da hiperespecialização do conhecimento científico e da necessidade de promoção da transdisciplinaridade é extremamente interessante, e, sem dúvidas, continuará fazendo parte de diversas discussões filosóficas contemporâneas. O fato de podermos identificar um autor da primeira metade do século XIX e, muitos anos depois, outro da segunda metade do século XX discorrendo sobre esta questão evidencia a pertinência histórica do tema. Entretanto, minha digressão se encerra aqui. Por ora, o objetivo desta postagem é utilizar deste diálogo Comte-Morin como um meio, e não como fim.
O
que importa no momento é a constatação de que, na medida em que
deixamos os próprios autores dialogarem, através da sucessão de (por
vezes longas) citações, podemos identificar o quão semelhante é a descrição do problema e a solução por eles proposta. Apesar de utilizarem vocabulários distintos, a existência de convergências no pensamento dos dois autores é notável.
O
motivo de ter optado por contrapôr trechos da obra de Comte com a de
Morin é justamente pelo fato do primeiro ser um dos maiores alvos de
preconceitos acadêmicos, enquanto o segundo goza de um prestígio
proporcionalmente inverso. Concordo com Gustavo
Biscaia de Lacerda - estudioso da obra de Comte e do Positivismo -
quando este afirma que é "consensual no
âmbito das ciências sociais que a palavra 'Positivismo' tem um
significado negativo" e que este costuma ser o "grande arquiinimigo de
várias das principais correntes teóricas nas ciências sociais". No meio
acadêmico atual (e isso aparece inclusive na obra de Morin) o
Positivismo é tomado como representante máximo da simplificação, do
reducionismo e da ingenuidade filosófica.
O "como" e o "por que" do termo "Positivismo" ter adquirido uma conotação pejorativa é assunto muito longo e foge também aos objetivos deste post - podendo ser melhor compreendido à luz deste artigo de Lacerda. O cerne da questão, entretanto, é a constatação de que o preconceito acadêmico em relação às idéias de Comte (por este ser considerado o "positivista paradigmático") é frequente, e faz com que muitos deixem de entrar em contato direto com a obra deste autor.
Impedindo que muitos estudantes ou profissionais entrem em contato com a grande e diversa obra de Comte, o preconceito acadêmico faz com que certos pensamentos e idéias que podem se mostrar extremamente relevantes e atuais - como este breve diálogo entre Comte e Morin nos mostra - passem completamente despercebidos. Por mais que os problemas da hiperespecialização das disciplinas científicas estejam muito mais evidentes hoje do que nos tempos de Comte, sua proposta de solução a esta questão deve ser julgada após uma leitura e análise mais detalhada, e não aprioristicamente, justificada pura e simplesmente por se tratar de um autor "ultrapassado" e vinculado a uma corrente filosófica já "superada".
O exemplo desenvolvido neste texto é apenas um dos inúmeros possíveis, e pode nos servir também para lembrar das consequências negativas envolvidas na prática do tal "culto à autoridade", mencionado no início desta postagem.
Por fim, se não temos tempo e recursos suficientes para entrar em contato direto com a obra de todos os autores, que pelo menos tenhamos consciência deste fato e sejamos mais humildes em relação às concepções que formamos sobre os diversos aspectos que compõe este universo que é o conhecimento humano.
Notas
¹ Em encontro recente do nosso grupo "Círculo da Savassi", Vinícius Garcia me chamou a atenção para a existência de preconceitos semelhantes relacionados ao Liberalismo, apontando como é recorrente a interpretação (por demais simplista e apressada) de que o liberalismo - com sua defesa da liberdade individual - se vincula necessariamente à uma defesa do livre-arbítrio.
O "como" e o "por que" do termo "Positivismo" ter adquirido uma conotação pejorativa é assunto muito longo e foge também aos objetivos deste post - podendo ser melhor compreendido à luz deste artigo de Lacerda. O cerne da questão, entretanto, é a constatação de que o preconceito acadêmico em relação às idéias de Comte (por este ser considerado o "positivista paradigmático") é frequente, e faz com que muitos deixem de entrar em contato direto com a obra deste autor.
Impedindo que muitos estudantes ou profissionais entrem em contato com a grande e diversa obra de Comte, o preconceito acadêmico faz com que certos pensamentos e idéias que podem se mostrar extremamente relevantes e atuais - como este breve diálogo entre Comte e Morin nos mostra - passem completamente despercebidos. Por mais que os problemas da hiperespecialização das disciplinas científicas estejam muito mais evidentes hoje do que nos tempos de Comte, sua proposta de solução a esta questão deve ser julgada após uma leitura e análise mais detalhada, e não aprioristicamente, justificada pura e simplesmente por se tratar de um autor "ultrapassado" e vinculado a uma corrente filosófica já "superada".
O exemplo desenvolvido neste texto é apenas um dos inúmeros possíveis, e pode nos servir também para lembrar das consequências negativas envolvidas na prática do tal "culto à autoridade", mencionado no início desta postagem.
Por fim, se não temos tempo e recursos suficientes para entrar em contato direto com a obra de todos os autores, que pelo menos tenhamos consciência deste fato e sejamos mais humildes em relação às concepções que formamos sobre os diversos aspectos que compõe este universo que é o conhecimento humano.
Notas
¹ Em encontro recente do nosso grupo "Círculo da Savassi", Vinícius Garcia me chamou a atenção para a existência de preconceitos semelhantes relacionados ao Liberalismo, apontando como é recorrente a interpretação (por demais simplista e apressada) de que o liberalismo - com sua defesa da liberdade individual - se vincula necessariamente à uma defesa do livre-arbítrio.
² Todas as citações de Auguste Comte foram retiradas do livro Curso de Filosofia Positiva. Originalmente de 1848 - p.52/55. Versão digitalizada disponível em: http://search.4shared.com/postDownload/iYxCaxVS/COMTE_Curso_de_filosofia_posit.html
³ Todas as citações de Edgar Morin foram retiradas do livro Ciência com Consciência 8ª edição, 2001 - p.9/10, 138 e 215.
³ Todas as citações de Edgar Morin foram retiradas do livro Ciência com Consciência 8ª edição, 2001 - p.9/10, 138 e 215.
Muito bom, Ramon! Gostei bastante do texto.
ResponderExcluirEle se conecta bastante com o meu texto postado aqui há pouco tempo, o "Ciência, cientificismo e outros ismos" (link: , por exemplo quando aponto:
"Se o modo como o termo reducionismo tem sido utilizado incorre no risco de tornar-se um inócuo adjetivo moral, esta parece ser mais a regra do que a exceção no caso do positivismo. Este parece ter tornado-se sinônimo de antigo, bitolado, ortodoxo, limitado. E principalmente no meio acadêmico, parecem chamar de positivista alguém que só considera dados diretamente e consensualmente observados e que acredita que o cientista é neutro em suas pesquisas.
Existem diversos problemas nestas utilizações do termo. A primeira é que, ao dizer que uma idéia é positivista, precisamos especificar de qual positivismo estamos falando. Existem muitos, muitos tipos diferentes de positivismo. O positivismo de Comte é diferente do de Durkheim, que é diferente do de Claude Bernard, que é diferente do Juspositivismo, que é diferente do Positivismo Lógico, etc... A maioria das atribuições do parágrafo acima não se aplica a grande parte destes diferentes tipos de positivismo, inclusive o de Comte, “pai” do positivismo, que, ao contrário do que é difundido, não ignorava a subjetividade, mas considerava que uma pesquisa científica era fruto tanto da observação quanto da imaginação.
Além de ter de especificar a qual tipo de positivismo se refere, quem utiliza o termo com uma conotação crítica tem também de especificar por que isso é algo ruim. Dizer “você está sendo positivista” pode não significar nada se não é especificado qual o demérito nisso, o que está sendo ignorado, o que está sendo considerado em excesso, por que isso não deveria ser feito e como isso compromete a consideração do fenômeno em questão.
Do contrário, torna-se novamente fuga, taxando uma idéia de positivista como algo pejorativo, mas sem justificar o porquê e consequentemente sem dizer muita coisa."
O positivismo de fato tem sido o alvo predileto de preconceitos acadêmicos. Isso não quer dizer que eu esteja de acordo com as teses positivistas, mas que ele é bem mais interessante e bem menos ingênuo do que seus críticos o pintam.
Claro, além do positivismo podemos enumerar vários outros. Você mesmo menciona a psicanálise e o liberalismo. Além dele temos o pragmatismo, o reducionismo, o relativismo, o BEHAVIORISMO e vários outros "ismos".
(não é em vão que vi uma conexão íntima entre esse seu texto e o meu, concorda?)
Os pensadores pós-modernos (que também são alvo de preconceito acadêmico) ajudaram bastante a tornar todos esses citados acima fruto de preconceitos acadêmicos, devido à grande predisposição, extensamente demonstrada e debatida, de falarem de coisas que não conhecem e basearam teses inteiras em espantalhos.
Concordo contigo Pedro.
ExcluirNo fim das contas a sua última postagem também lida com preconceitos relativos à alguns "ismos".
Especificamente sobre as relações entre Comte e o Positivismo eu recomendo muito este artigo: http://pt.scribd.com/doc/90443211/Augusto-Comte-e-o-Positivismo-Redescobertos-Gustavo-Biscaia-de-Lacerda
Nele o autor mostra (dentre outras coisas) como um dos mais reconhecidos sociólogos da contemporaneidade - Anthony Giddens - transformou o pensamento de Comte num completo espantalho. A influência de Giddens na Sociologia é imensa, e ele sem dúvidas contribuiu bastante para a propagação do preconceito ao Positivismo.
Sim! Eu cito esse texto duas vezes na minha monografia! =)
ExcluirIsso também me lembra a recente entrevista do Abib - na minha opinião decepcionante.
ExcluirEle diz, por exemplo:
"Mesmo quando pensamos que uma filosofia está moribunda, ela permanece à espreita. Um bom exemplo é a filosofia do positivismo. Desde ao menos o livro A Lógica da Investigação Científica de Karl Popper, publicado em 1934, pensamos que o positivismo recebeu o seu golpe de misericórdia. Entretanto, ele continua mais vivo do que nunca, como pode ser verificado na praga do produtivismo acadêmico, afeito à pesquisa ligeira, carente de Inteligência conceitual, emburrecedor e inconsequente, que assola a política de pesquisa no Brasil (e eu que pensava que não havia mais nenhuma necessidade de chutar cavalo morto!). Mesmo quando a filosofia é má filosofia, como é o caso do positivismo, ela tem fôlego de gato. Com efeito, como demonstrou convincentemente Leszek Kolakowski, em La Philosophie Positiviste, o positivismo surgiu na Idade Média e se propagou no pensamento ocidental até o positivismo lógico. Daí em diante, pensei que teria sido destinado ao arquivo morto da história depois da crítica da filosofia pós-empirista da ciência feita por Popper, Kuhn, Feyerabend, Lakatos e Morin. Doce ilusão"
E também:
"Desse modo, o domínio da ciência do comportamento requer a instrução da epistemologia da complexidade, o que significa a aquisição de uma ampla formação acadêmica, intelectual e cultural. Na esfera do que seria necessário recuperar eu incluiria a leitura do pensamento pós-moderno"
E, quando pedem bibliografia para os interessados em estudar a filosofia que fundamenta a Análise do Comportamento, recomenda uma série de pensadores conhecidos por fazer algo similar ao que fez o Giddens, como o Bauman, o Lakatos, o Morin, o Feyerabend, o Kuhn (provavelmente por má interpretação, mas que pelo jeito o Abib também vai nessa onda), etc.
A repulsa dele ao positivismo e os autores que ele cita como referência me fazem pensar que ele também adota essa visão de positivismo baseada no espantalho construído por outros.
O que você acha?
Especialmente por este primeiro parágrafo que você citou, tenho essa impressão também.
ExcluirDizer que o Positivismo é "afeito à pesquisa ligeira, carente de Inteligência conceitual, emburrecedor e inconsequente" é uma afirmação perigosa...
É como você disse antes Pedro: a qual Positivismo ele se refere? Porque estes adjetivos não combinam muito com a proposta do Comte, pelo menos.
Pra mim é a mesma coisa de criticar "o Behaviorismo" por este ignorar os processos mentais, ser reducionista, e por aí vai...
Com o segundo parágrafo que você citou, eu tendo a concordar com o Abib. Mas sem essa de ficar criando inimigos, como "o Positivismo" por exemplo.
Ressaltei o segundo por ele mencionar a epistemologia da complexidade e ela sendo justamente opositora ao positivismo.
ExcluirE eu não concordo com a ênfase dada aos autores pós-modernos. Claro, acho importantíssimo ler e conhecer, mas se é para recomendar, sei de pessoas que abordam o que eles abordam sem toda a carga de hermetismo onanista deles.
Ótimo texto. Muito esclarecedor. Não conhecia esses posicionamentos do Positivismo de Comte. Ótima referência também, ficará como leitura de final de semana!
ResponderExcluirGustavo Belleza
Caro Ramon: eu, sem dúvida alguma, gostei do seu texto e concordo com ele. Vou colá-lo no meu próprio blogue http://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com.br/.
ResponderExcluirAh, se puder, gostaria muito que indicasse diretamente o portal do Scielo para acesso ao meu texto: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v17n34/a21v17n34.pdf
Um abraço,
Gustavo.
Obrigado pela divulgação e feedback Gustavo! Seu artigo foi muito importante na elaboração de todo o texto e fico feliz por você ter gostado.
ExcluirVou indicar o link do Scielo sim, pode deixar.
Grande abraço!
Lembrei do estratagema 32 do Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão, do Schopenhauer. Chama-se Rótulo Odioso:
ResponderExcluirUm modo rápido de eliminar, ou, ao menos, de tornar suspeita uma afirmação do adversário é reduzi-la a uma categoria geralmente detestada, ainda que a relação seja pouco rigorosa e tão só de vaga semelhança. Por exemplo: “Isso é maniqueísmo”, “É arianismo”, “É pelagianismo”, “É idealismo”, “É panteísmo”, “É brownianismo”, “É naturalismo”, “É ateísmo”, “É racionalismo”, “É espiritualismo”, “É misticismo”, etc. Com isto, fazemos duas suposições: 1) que aquela afirmação é efetivamente idêntica a essa categoria, ou, ao menos, está comprometida nela e estamos dizendo: “Ah, isto nós já sabemos!”; e 2) que esta categoria já está de todo refutada e não pode conter nenhuma palavra verdadeira. (SCHOPENHAUER, 1997, p. 174)