Autor: Daniel Gontijo
"Por que o reforçador reforça?" foi uma das primeiras perguntas inquietantes que me assaltaram quando eu entrei em contato com a análise do comportamento. E, ao levantá-la em sala de aula, minha professora sugeriu que eu lesse uma seção do livro Ciência e Comportamento Humano, de B. F. Skinner (1953/2003), cujo título é justamente a pergunta que fiz. Nessa seção, Skinner faz menção à filogênese, critica explicações privadas (às vezes denominadas "mentalistas") e vislumbra a possibilidade de, algum dia, as ciências biológicas nos fornecerem alguma explicação para o reforçamento. Antes de abordar esses tópicos -- especialmente o que discute o papel das emoções sobre o condicionamento operante --, falarei um pouco sobre o conceito de reforço.
"Por que o reforçador reforça?" foi uma das primeiras perguntas inquietantes que me assaltaram quando eu entrei em contato com a análise do comportamento. E, ao levantá-la em sala de aula, minha professora sugeriu que eu lesse uma seção do livro Ciência e Comportamento Humano, de B. F. Skinner (1953/2003), cujo título é justamente a pergunta que fiz. Nessa seção, Skinner faz menção à filogênese, critica explicações privadas (às vezes denominadas "mentalistas") e vislumbra a possibilidade de, algum dia, as ciências biológicas nos fornecerem alguma explicação para o reforçamento. Antes de abordar esses tópicos -- especialmente o que discute o papel das emoções sobre o condicionamento operante --, falarei um pouco sobre o conceito de reforço.
Em primeiro lugar, nenhum evento ou estímulo é intrinsecamente reforçador. Um estímulo adquire
a função reforçadora com base nos efeitos que ele exerce sobre um
comportamento. E que efeitos são esses? Geralmente, diz-se que um
estímulo é reforçador quando, em função de sua apresentação, aumenta a
frequência do comportamento que o gerou (embora possa haver reforçamentos não-contingenciais).
Se, no cortejo de uma mulher, descrever títulos e funções laborais (por
exemplo, "Eu atuo como engenheiro metalúrgico na Petrobrás") é seguido
por, digamos, uma noite cheia de beijos, poderíamos observar o aumento
de frequência desse comportamento em ocasiões similares no futuro.
Portanto, os beijos poderiam ser denominados reforçadores em função do
efeito (aumento de frequência) que exerceram sobre aquelas descrições
(comportamento). Se aquele comportamento não aumentar de frequência, não
poderíamos dizer que os beijos, ou quaisquer outras consequências que o
seguiram, o reforçaram.
Mesmo
que haja uma infinidade de estímulos que podem, por convenção ou
particularidades de um ambiente, adquirir a função reforçadora, há
certos estímulos que, em qualquer cultura e
por um bom tempo, apresentam essa função.
Presumivelmente, esses estímulos estiveram relacionados à sobrevivência e
à procriação dos nossos ancestrais. Skinner (1953/2003):
Dificilmente se poderá deixar de reconhecer a grande significação biológica dos reforçadores primários. Alimento, água, contato sexual, assim como a fuga de condições incômodas [...], estão evidentemente ligados ao bem-estar do organismo (p. 92).
Imagino
que, nesse trecho, Skinner não se referiu a "bem-estar" como um termo
equivalente a "prazer" ou "satisfação", como deve ficar claro a
seguir. Em vez disso, ele deveria estar falando da "economia interna" de
um organismo, isto é, das condições ou estados biológicos que foram, e
ainda podem ser, favoráveis à sobrevivência e/ou à procriação. Assim,
boa parte dos organismos conhecidos tem seus comportamentos modificados à
medida que entram em contato com esses estímulos, que foram
provavelmente importantes ao longo da evolução das espécies. E,
"ancorados" nesses efeitos, uma vasta quantidade de estímulos pode
adquirir a função reforçadora. O dinheiro é um dos melhores exemplos de
um objeto que pode, quando adquirido, reforçar enumeráveis tipos de
comportamento (por exemplo, roubar, pedir e, é claro, trabalhar). Sendo
um poderoso reforçador generalizado, ele possibilita o acesso à comida,
ao conforto e a parceiros sexuais. Ao que parece,
não há reforçador que não esteja em alguma medida relacionado a
respostas ou condições que, no passado ancestral, garantiram a
sobrevivência e a procriação.
Se quase ninguém discorda que a sensibilidade a esses estímulos foi adaptativamente importante, não é muito óbvia a natureza dessa sensibilidade, ou mesmo como é
que, através dessa sensibilidade, certos estímulos passam a ser
reforçadores. Como é que o carboidrato, o sexo e o conforto reforçam as
respostas que os produzem?
O fato de que aqueles estímulos modificam
o organismo é algo indubitável, e o velho Skinner nunca deixou de fazer
alusão a futuros avanços que nos permitiriam conhecer essas
modificações. Ele chegou a afirmar, por exemplo, que "uma explanação
biológica do poder reforçador será talvez o mais longe que se possa ir
ao dizer por que um evento é reforçador" (p. 93). De fato, a
neurociência contemporânea vem desvendando os processos cerebrais
envolvidos na aprendizagem, como quando descreve a ação dos "sistemas de
recompensa" e o fenômeno da "plasticidade neural". E faz mais: em
parceria com psicólogos e, em menor grau, com filósofos da mente,
procura correlacionar (ou identificar) certos processos neurais com
fenômenos privados, como com o pensar e o sentir. E é aqui, no campo do
comportamento privado, que as coisas começam a se embaraçar.
Quando
se pergunta "Por que um reforçador reforça?", uma resposta improvável
emitida por um behaviorista é "Porque ele é prazeroso". Embora sejamos radicais,
não nos parece muito atraente ou conveniente fazermos menção às
sensações como uma resposta àquela pergunta. Em um momento, Skinner
ressalta que "juízos subjetivos do prazer ou da satisfação
proporcionados por estímulos são em geral inconsistentes e não merecem
confiança" (p. 91). Em outro, diz que a explicação pelas emoções ou
sentimentos costuma ser redundante. Se é relevante considerarmos as
ressalvas de Skinner sobre as limitações do sentir e do verbalizar de um
indivíduo, não acho que precisamos ser céticos demais. Em complemento,
creio que a "explicação emocional", como a de que "Comi porque estava
com fome", está longe de ser redundante. Se a fome é um evento que
precede e controla o comer, não há redundância aqui. Embora a
explicação emocional seja um recorte explicativo curto (em termos de
tempo ou história) e pobre (por só considerar um tipo de variável de
controle), não deixa de ter suas validades teórica e prática. Em algum
nível, o senso comum, imerso na psicologia popular, parece não estar
equivocado.
Mas
vamos à questão central: os sentimentos estão intimamente relacionados
com o aumento ou a diminuição de frequência de uma resposta? E, antes
disso, o que são sentimentos e emoções?
Gosto de trabalhar com a seguinte definição: emoções são certos tipos de respostas ou condições corporais que podem ser sentidas pelo organismo em que elas ocorrem. As emoções que sentimos, ou os sentimentos, são controladas pelas interações que um indivíduo estabelece com o
ambiente (que pode ser parte de si mesmo); e os sentimentos, por sua
vez, parecem controlar o que fazemos e pensamos. Entretanto, a notória
relação sentimentos-comportamentos públicos não nos permite concluir que
os primeiros são a
jóia da coroa do reforçamento. Provavelmente, há muito mais eventos
ocorrendo entre uma
consequência e o aumento de uma resposta.
Ainda
assim, as leituras que já fiz sobre
neurociência comportamental levam-me a desconfiar que o papel dos sentimentos
sobre o reforçamento é maior do que parecem crer os behavioristas.
Passo a desenvolver meu principal argumento. Para que a flexibilidade -- ou a suscetibilidade a modificações comportamentais -- tenha sido adaptativa, o efeito dos estímulos ambientais precisaria estar
atrelado à economia interna de um organismo (precisaria estar
relacionado, por exemplo, à integridade de tecidos e a uma concentração
ótima de certos componentes químicos). À medida que o organismo se
altera, é sensível ou, melhor dizendo, responde a estímulos
filogeneticamente importantes (à água, à comida e ao conforto, por
exemplo), uma variedade de processos neurais atuariam de forma a induzir
a manutenção e/ou o aumento de frequência do comportamento em
ocorrência (ou o que acabou de ser emitido).(2) E, entre esses processos
neurais, destacar-se-iam aqueles que são intimamente dependentes das
mudanças do corpo, isto é, àqueles que estão funcionalmente relacionados
às variações de certos parâmetros do meio interno. Nesse ponto, não
consigo não desconfiar que os sentimentos, ou a sensibilidade àquelas
mudanças corporais, não tenham alguma relação com o controle de estímulos e o reforçamento.
Embora
as pesquisas em neurociência possam corroborar (ou falsear) a hipótese
da influência das sensações emocionais sobre o reforçamento, não é
preciso ser entendido no assunto para apreender sua lógica. Como a
qualidade reforçadora não é intrínseca aos estímulos do ambiente, deve
haver uma espécie de critério que os estabelecem como tais. Os
comportamentos que emitimos não são aleatória ou indiscriminadamente
selecionados (mesmo os supersticiosos);
para que o sejam, eles precisam ser capazes de estimular
respostas incondicionadas que tiveram algum valor de sobrevivência. E,
dentre essas respostas, possivelmente estão aquelas a que nos referimos
como sentimentos.
A que estímulos ficamos sob controle? |
Mais algumas palavras
Diz-se comumente que uma coisa é reforçadora porque aparece boa ao tato, ao olhar, ao ouvido, ao olfato e ao gosto, mas, do ponto de vista da teoria da evolução, uma suscetibilidade ao reforço deve-se ao seu valor de sobrevivência, e não a qualquer sensação que lhe esteja associada (Skinner, 1974/2006, p. 43).E, mais adiante:
[Um dado] comportamento ocorre porque mecanismos apropriados foram selecionados no curso da evolução. As sensações são apenas produtos colaterais das condições responsáveis pelo comportamento (p. 44).
Eu
permaneço em dúvida sobre o que exatamente Skinner quis dizer com
"produtos colaterais". O primeiro significado que costuma me ocorrer é o
que coloca as emoções para escanteio, tirando delas
qualquer tipo de função controladora do comportamento. Por esse prisma,
as emoções seriam meros caprichos ou adornos concedidos pela seleção
natural. Contudo, é possível que ele tenha utilizado um significado que eu ainda não captei.
Seja
como for, parece que Skinner não se atentou à possibilidade de que as
sensações compõem justamente esses "mecanismos apropriados" que "foram
selecionados no curso da evolução". Se os sentimentos forem
vistos como parte desses mecanismos, as peças desse quebra-cabeça
podem configurar um cenário mais coerente. Skinner assevera que as
condições corporais adaptativas foram o objeto da seleção natural, e não
a sensibilidade dos animais (isto é, os sentimentos) a essas condições
(por exemplo, Skinner, 1974/2006, p. 46). Em contrapartida, é bem
provável que pouco poderíamos aprender se não as pudéssemos sentir!
As principais modificações estruturais proporcionadas pelos
condicionamento operante residem no cérebro, e não nas vísceras às quais
somos sensíveis. Assim como a sensibilidade aos estímulos ambientais (visuais, auditivos, táteis etc.) é
uma condição necessária para que com eles possamos interagir,
a sensibilidade ao meio interno pode ser relevante para que um
comportamento seja mantido, desapareça ou seja reforçado.
Por que é que, após um insano banquete, deixamos de comer até mesmo o prato que mais apreciamos? Se não sentíssemos, por exemplo, as modificações da concentração de glicose e do tecido estomacal, provavelmente nos entupiríamos de comida. E, nesse caso, o que seriam as sensações de dor, satisfação e enjôo senão respostas incondicionadas que nos controlam e, aparentemente, participam dos processos de aprendizagem? Como eu gosto de brincar, os sentimentos podem ser um dos ingredientes da "cola" que une certos contextos (como um prato de comida) a certos comportamentos públicos (por exemplo, comer ou dizer "Não, obrigado!").
Antes de finalizar, devo ressaltar que, embora eu desconfie que as sensações emocionais sejam importantes, elas certamente não encerrariam a questão do reforçamento. Processos como a "potenciação de longa duração" (LTP, do inglês long-term potentiation), que consolidam as modificações neurofisiológicas, e a "neuroplasticidade", que envolve a produção de novos receptores e dendritos, são patentemente indispensáveis. Minha ideia básica(3) é a de que os processos cerebrais gerais estão em constante e estreita relação com os estados do resto do corpo, e que os sentimentos, em vez de luxo, são parte de contingências que tiveram, e continuam tendo, um alto valor sob o ponto de vista evolucionista. Mais especificamente, os sentimentos participariam do conjunto de processos envolvidos no estabelecimento de contingências reforçadoras ou punitivas. Sem esses "referenciais corporais", a que tipo de contingências nos agarraríamos?
Por que é que, após um insano banquete, deixamos de comer até mesmo o prato que mais apreciamos? Se não sentíssemos, por exemplo, as modificações da concentração de glicose e do tecido estomacal, provavelmente nos entupiríamos de comida. E, nesse caso, o que seriam as sensações de dor, satisfação e enjôo senão respostas incondicionadas que nos controlam e, aparentemente, participam dos processos de aprendizagem? Como eu gosto de brincar, os sentimentos podem ser um dos ingredientes da "cola" que une certos contextos (como um prato de comida) a certos comportamentos públicos (por exemplo, comer ou dizer "Não, obrigado!").
Antes de finalizar, devo ressaltar que, embora eu desconfie que as sensações emocionais sejam importantes, elas certamente não encerrariam a questão do reforçamento. Processos como a "potenciação de longa duração" (LTP, do inglês long-term potentiation), que consolidam as modificações neurofisiológicas, e a "neuroplasticidade", que envolve a produção de novos receptores e dendritos, são patentemente indispensáveis. Minha ideia básica(3) é a de que os processos cerebrais gerais estão em constante e estreita relação com os estados do resto do corpo, e que os sentimentos, em vez de luxo, são parte de contingências que tiveram, e continuam tendo, um alto valor sob o ponto de vista evolucionista. Mais especificamente, os sentimentos participariam do conjunto de processos envolvidos no estabelecimento de contingências reforçadoras ou punitivas. Sem esses "referenciais corporais", a que tipo de contingências nos agarraríamos?
Na ausência de bons estudos a respeito do assunto (estudos que, por
levarem em conta diversos níveis de análise, serão custosos e devem,
isoladamente, apenas descrever resultados parciais), o papo das emoções
como "meros produtos colaterais" ou como "eventos condicionalmente importantes"
permanecerão indefinidamente no campo da inferência e da especulação.(4)
Notas
(1)
Embora um comportamento reforçado seja entendido como aquele que teve
sua frequência aumentada por certa(s) consequência(s), pode-se referir
também àquele que têm sua permanência ou manutenção estendida (como
quando admiramos um quadro por um bom tempo).
(2) Para uma leitura sobre as características "indutora" e "filogeneticamente importantes" dos estímulos reforçadores, ver: Baum, W. M. (2012). Rethinking reinforcement: allocation, induction, and contingency. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 97, 101-124.
(2) Para uma leitura sobre as características "indutora" e "filogeneticamente importantes" dos estímulos reforçadores, ver: Baum, W. M. (2012). Rethinking reinforcement: allocation, induction, and contingency. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 97, 101-124.
(3) Entre os livros que me influenciaram a chegar a essas ideias, destacam-se:
- Damásio, A. R. (2006). O Mistério da Consciência. São Paulo: Companhia das Letras.
- Damásio, A. R. (1996). O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras.
Referências
- Skinner, B. F. (1974/2006). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix.
- Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.
Muito interessante!
ResponderExcluir"Nessa seção, Skinner faz menção à filogênese, critica explicações privadas (às vezes denominadas "mentalistas") e vislumbra a possibilidade de, algum dia, as ciências biológicas nos fornecerem alguma explicação para o reforçamento."
ResponderExcluirNão acho que estamos carente de uma explicação sobre o reforçamento, tampouco acho que Skinner foi tão vago e relapso como esse trecho dá a entender. O ponto dele, muito resumidamente, é que o reforço reforça por motivos filogenéticos; quer dizer, se você for suficientemente longe na investigação das causas do reforçamento, chegará às "sensibilidades inatas" a determinados estímulos/contextos e estes existem por terem sido mutações selecionadas por suas consequências.
No caso da água, organismo que não eram inatamente sensíveis a terem um comportamento que produz água reforçado, tinham menor probabilidade de sobreviver e produzir descendentes; idem à comida; no caso do contato sexual, tinham menor probabilidade de produzir descendentes. Em outro tipo de sensibilidade, organismos que não tivessem seu comportamento punido quando a consequência era dor, tinham menor probabilidade de sobreviverem e gerarem descendentes; idem a coisas muito amargas ou azedas; idem ao frio ou calor extremo; etc.
E assim vai, de caso a caso, com suas próprias razões e explicações filogenéticas. Não vejo qual a lacuna da pergunta "por que o reforço reforça" aí.
Sobre o papel dos sentimentos, vou ser bastante sintético, mas apenas para iniciar o debate: "comi porque estava com fome" é uma explicação ruim por considerarmos o conhecimento não uma posse, mas maneiras produtivas de agir sobre o mundo. Assim, explicar dessa forma não te permite muita coisa, enquanto explicar que ele comeu pois estava privado de alimento há X horas, permite compreender, prever e controlar melhor seu objeto de estudo (no caso, o comportamento de comer). Se limitar a esse estado interno não permite isso.
Pra piorar, parece que esse estado interno acompanha as ocasiões que eliciam o comer, não o causa. Se existem outras situações que fazem ele comer mesmo sem estar privado, essas ocasiões que são a causa do comer, não a fome. Por exemplo, podemos condicionar um organismo a comer sempre que tocarmos uma música, esteja ele privado ou não. Mesmo se ele "sentir fome" sem estar privado, ela não é a causa, mas aquelas modificações que produziriam ele.
Os sentimentos são importantíssimos, mas tomá-los como variável independente quase nunca é produtivo. Como não existe nada que INTRINSECAMENTE seja VI ou VD (ou causa ou efeito, se preferir), consideramos VI ou causa aquilo que me permite compreender, prever e agir sobre meu objeto de estudo de maneira mais eficaz. E este quase nunca são os sentimentos, especialmente para um psicólogo.
Parece que não há consenso com relação a isso, mas considero mais apropriado caracterizar o sentir como responder, e não como estímulo. A fome, por exemplo, é um responder do organismo à privação, assim como a raiva é um responder a contextos antecedentes; e também a ansiedade, a frustração etc. A caracterização do sentir como estímulo em recortes específicos pode levar alguns à compreensão equivocada de que um responder do organismo controlaria diretamente seu próximo responder, e que esse suposto controle direto seria algo que ocorreria à revelia da interação organismo/ambiente.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPedro,
ResponderExcluirSobre as "sensibilidades inatas", de fato nascemos com inúmeras delas, desde o dilatar das pupilas até as respostas emocionais. Eu só acho que há um bom hiato entre dizer "sensibilidade a estímulos" e "sensibilidade ao reforço" (ou à punição). Para que nossas respostas sejam reforçadas ou punidas (conceitos abstratos que levam a frequência em consideração), antes precisamos ser sensíveis a certos estímulos. Somos sensíveis à água e ao sexo de diversas formas, desde podermos excretar certas substâncias a que não temos consciência até aquelas que sim, podemos SENTIR. Minha hipótese é que as sensações emocionais são respostas incondicionadas a certas mudanças do corpo, e que parte das mudanças no controle de estímulos ambientais -- o que envolve TAMBÉM o reforçamento - depende dessas ocorrências.
Poderíamos até nos calar ao chegar aos aspectos filogenéticos do reforçamento, mas acho que estaríamos cometendo um erro similar ao que os behavioristas apontam sobre os cognitivistas: se satisfazer com as explicações internalistas. As modificações que um estímulo reforçador provocam podem ser de interesse dos cientistas comportamentais; eu particularmente não quero deixar que o cérebro (ou a subjetividade, para dizer da perspectiva da primeira pessoa), como já disse o Vitor Haase, "fique entre parênteses". Satisfazer-nos com o nível filogenético é deixar um vasto e rico campo de estudos só para os cognitivistas. Precisamos de ciência básica para nos sustentar, e certamente a tríplice contingência não é o mais "básico" a que podemos chegar.
Vinícius,
Conforme penso, as definições "estímulo" e "resposta" podem variar conforme o recorte que fazemos. Da exposição do organismo como um todo a certos contextos até a produção de uma consequência (tríplice contingência), uma CADEIA de respostas é gerada, e essas respostas podem ser tanto "paralelas" como "lineares". A sensibilidade das células do olho à luz é uma resposta, mas pode também ser vista como um padrão de estímulos que possui relação funcional com neurônios do córtex occipital (as primeiras excitam ou estimulam as últimas). O negócio é que os behavioristas primam pela análise do-organismo-como-um-todo, e esses elos intermediários, mesmo que considerados (crê-se que eles existem), acabam sendo deixados de lado (e é aqui que os cognitivistas se aliam aos neurocientistas).
Entendo sua preocupação com a "internalização das causas", mas acho que os behavioristas em geral estão vacinados contra isso. De qualquer forma, há estudos em que esses recortes de análise são importantes. Uma das minhas críticas principais aos behavioristas é a de não se importarem muito com esses "elos perdidos", a que supostamente só os fisiologistas poderiam se ocupar. A imagem que eu tenho do futuro é a de uma síntese dos times "contextualista" e "internalista".
No mais, concordo que, em ambientes como a psicoterapia, a análise das variáveis ambientais (contexto e consequência) é de maior relevância. Não que elas venham a perder sua importância um dia (jamais!), mas eu antevejo uma reentrada significativa daqueles elos intermediários.
Abraços!
Imagine uma pessoa que tenha intolerância alimentar a feijão. Quando ela come feijão, são produzidos gases no interior de seus intestinos e ela sente pontadas dolorosas no abdomen. Não há por que caracterizar a dor como estímulo, pois ela é um responder do organismo. O estímulo são os gases no interior do intestino, o estímulo é o feijão.
ResponderExcluirSe caracterizamos a própria dor como estímulo, há o risco de abandonarmos a busca pelos verdadeiros estímulos que produziram o responder. É a esses estímulos que teremos acesso e são eles que precisarão ser identificados e manejados se nosso objetivo é mudar os modos como o organismo responde. Dizer que a dor é um estímulo produzido pelo intestino, que controla um responder do cérebro, é uma sub-divisão do organismo que pode mais atrapalhar do que ajudar se sabemos que o que na verdade buscamos são as causas do responder ao qual damos o nome de dor.
Essa é a minha opinião, mas há quem pense diferente.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEntendo, Vinícius. Mas vamos pensar no seguinte. Um homem está tendo essas dores estomacais há muitos dias, não sabendo por quê. Essas dores atrapalham seu desempenho no trabalho, tirando sua atenção das tarefas e deixando-o irritadiço com seus colegas. Está claro que a dor altera vários de seus comportamentos. Como ele não está com tempo de ir ao médico, esse homem decidiu ir à farmácia comprar um analgésico especial para problemas estomacais. Pronto: com a dor cessada, voltou a ter um bom desempenho nos seus compromissos e com seus colegas.
ResponderExcluirA relação entre a dor estomacal e os desempenhos supracitados não é menos verdadeira que a relação dos estímulos ambientais que provocam essa "cadeia comportamental" (a ingestão de feijão). A manipulação indireta da variável intermediária ajudou-o a se adaptar novamente ao contexto laboral (mesmo que tenha sido uma adaptação remédio-dependente). É claro que a descoberta da variável ambiental poderia estimular a adoção de uma estratégia mais efetiva (deixar de comer feijão), mas nem sempre, nos mais variados problemas individuais e sociais, temos conhecimento dessas variáveis ou mesmo condições para que possamos manipulá-las. A intervenção indireta não é supérflua ou prescindível.
Imaginemos agora que o problema que estamos querendo resolver é causado substancialmente por um perfil genético. Se não possuímos formas de manipular os genes após o nascimento de alguém, deveríamos nos abdicar de tentar ajudá-lo de outras formas? Ou então, se não sabemos como frear a evolução da doença de Alzheimer, não parece válido que queiramos inventar medicamentos e treinamentos comportamentais que retardem sua progressão? E se, com a avaliação de desempenho através de comportamentos simples (como a medição de construtos como a "velocidade de processamento" e a "memória episódica"), pudermos prever a instalação de uma demência? Em inúmeros casos, a subdivisão do organismo pode mais ajudar do que atrapalhar.
O que acha?
O tal "analgésico especial para problemas estomacais" é um novo estímulo que altera o responder do organismo. Não vejo como o exemplo poderia justificar a utilidade de se caracterizar o sentir dor como estímulo e não como resposta do organismo em recortes específicos. Você mesmo apontou que o uso do medicamento seria apenas um paliativo e que uma estratégia mais efetiva envolveria identificar quais as estimulações que produzem o responder.
ResponderExcluirNão considero que o que você chama de intervenção indireta seja supérfluo ou prescindível (principalmente se isso que você chama de intervenção indireta envolve o uso de medicamentos). Se dei a entender isso, foi um mal entendido.
Com relação ao que você chama de problema causado substancialmente por um perfil genético, lembro que genes apenas se expressam em relação com o ambiente. Qualquer medicamento ou intervenção terapêutica será uma variável ambiental, ainda que diretamente introduzida no organismo (e, pensando assim, fico na dúvida se o uso de medicamentos não seria mais bem definido como intervenção direta, e não indireta, como você sugeriu).
Não entendi qual a relação entre o uso de construtos cognitivos como "velocidade de processamento" e "memória episódica" para o tratamento do Alzheimer e minha defesa da caracterização do sentir como resposta e não como estímulo. Também não vi relação entre esse seu último exemplo e a subdivisão do organismo que mencionei como problemática. O que acho problemático é descrever o comportamento de um organismo como uma relação entre órgãos que produzem estímulos que afetam outros órgãos. Pensar assim é um primeiro passo para não prestar a devida atenção ao ambiente. Devemos lembrar que o ambiente é o que de fato fornece a estimulação, e não nossos órgãos.
Se um câncer cresce em meu pulmão e começa a atrapalhar minha respiração e produzir dor, o câncer é ambiente, mesmo sendo constituído de células do meu organismo.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirComo no caso do câncer, inúmeras outras variáveis corpóreas controlam o que sentimos, fazemos etc. O meu ponto é justamente este: dependendo do recorte que se queira fazer, eventos corporais são ambientes, contextos ou estímulos que controlam certas respostas. Fármacos, feijões, manipulação genética e treinamentos cognitivos são estimulações ambientais, mas são "só" o primeiro elo de uma cadeia comportamental que poderia, a depender das necessidades, ser subdividida. Como eu disse, o behaviorismo tradicional parece primar por uma definição GLOBAL ou MOLAR do que é uma "resposta" (tudo o que acontece no organismo quando exposto a certos estímulos que lhe são externos), mas não me parece de forma alguma incorreta a opção por destrinchar essa cadeia respondente. E, quando o fazemos, podemos intervir não só na origem de um problema (o fumar, o ingerir feijões etc.), mas diretamente em órgãos ou processos que estão funcionalmente relacionados com outras respostas da cadeia.
ResponderExcluirVou utilizar outra analogia para esclarecer minha ideia. Se eu derrubar a primeira peça de dominó de uma fila dessas peças, as demais vão se declinar, uma a uma. A queda da primeira peça pode muito bem explicar a queda das demais, mas não é menos verdade que cada peça em particular determinou a queda da peça seguinte. Temos um estímulo inicial (a queda da primeira peça), mas temos também um conjunto de estímulos intermediários que explicam a queda de cada peça subsequente. Nesse cenário, a queda de uma peça pode ser individualmente vista como uma reposta, mas pode igualmente ser entendida como o estímulo que está funcionalmente relacionado à resposta da peça seguinte. E, se o estímulo inicial já foi gerado, podemos ainda criar meios de impedir a queda das demais peças (p. ex., segurando ou retirando uma peça intermediária). Essa intervenção sobre um elemento intermediário é também análoga ao uso de fármacos e de diversas técnicas psicoterápicas.
Enfim, podemos trabalhar com os dois tipos de intervenção simultaneamente (retirar o cigarro e fazer quimioterapia), e eu não vejo mal algum em subdividir uma análise quando for necessário (e eu acho que quase sempre é necessário).
Olá, xará;
ResponderExcluirAcho que a postagem no meu blog que estamos discutindo é exatamente uma resposta à questão que você coloca, desde que você compreenda meu ponto de vista (o que acho que ainda não aconteceu).
http://nogabinetedopsicologo.blogspot.com.br/2012/06/por-que-skinner-errou-segunda-parte.html
Há ainda outra questão concernente ao evolucionismo. Não é de forma alguma claro que comportamentos ou faculdades cognitivas tenham sido formados pela evolução, e é menos claro ainda que, ainda que tenham sido formados pela evolução, sua função evolutiva tenha papel explicativo. Considero que tanto Skinner quanto os behavioristas são um tanto ingênuos quanto a essa questão evolutiva. Vocês não criticam as premissas da psicologia evolucionista. Acabei de publicar um post sobre os problemas da psicologia evolucionista:
http://nogabinetedopsicologo.blogspot.com.br/2012/07/o-problema-da-psicologia-evolucionista.html
Abraço!
Vou dar uma olhada lá, e mais tarde (ou outro dia, pois sairei agora à tarde de viagem) retorno e comento...
ExcluirGostei do texto. Parabéns.
ResponderExcluirDesde que comecei a estudar o Behaviorismo, sempre fiz essa mesma pergunta. A diferença é que cheguei a outras conclusões. Passei a considerar a ideia de que, dentro do âmbito do fenômeno humano (i.e., a manifestação do ser bio-psico-social), há algo que não pode ser reduzido à semântica comportamental. Ou, dizendo de outra maneira, a semântica comportamental somente descreve a lógica que subjaz o comportamento.
Por exemplo:
(∃ec) Se ~> Pc
Re
Pc
Onde "Re" significa "estímulo reforçador" e "Pc" significa "comportamento provável".
A operação lógica é simplória e comporta as proposições do B.R.
Porém, como definir a natureza da propriedade do estímulo?
Penso que recorrer a processos neurais (como mencionados no texto principal), ou a alguma maneira organística de entender os sentimentos (eu chamaria de emoções, nesse caso) não resolve o problema, apenas o posterga: ainda restaria saber o por que de tais processos neurais serem instanciados - de maneira a provocar determinadas reações químicas - em S1 e não em S2, mesmo que ambos tenham estado submetidos às mesmas contingências.
Nesse ponto, sou obrigado a recorrer a hipóteses "mentalistas", tais como o estudo exaustivo da personalidade e suas constituições.
E convenhamos também: Skinner nunca foi muito claro nesse ponto. Nos seus escritos, ele mesmo reconhece a idiossincrasia do ambienta para com o sujeito.
Enfim, é isso. Espero ter sido oportuno. Abraços.
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