Nota introdutória: Começo aqui a postar textos que pretendem apresentar, ainda que de maneira introdutória e superficial, a base epistemológica do behaviorismo radical. Como serão textos breves, evitarei entrar em detalhes e controvérsias dentro da área. Mesmo que possam existir várias coisas que desconheço, estou certo de estar ciente da grande maioria dos pormenores que deliberadamente omiti. Não esperem, por exemplo, que eu vá ficar debatendo detalhes sobre a concepção skinneriana de verdade, sobre como existem analistas do comportamento que interpretam o behaviorismo radical como coerente com o pluralismo e etc. Isso é supérfluo aos propósitos deste texto e iria mais confundir do que auxiliar o leitor. Assim, clamo por certa indulgência do leitor com um conhecimento mais aprofundado, certo de que ele é capaz de entender o objetivo deste texto e o sacrifício necessário para sua empreitada. Dito isso, prossigamos.
A Análise do Comportamento é uma proposta para o
estudo científico do comportamento, inspirada pelos experimentos de
condicionamento reflexo de Pavlov e no Behaviorismo de Watson, até tomar sua
forma atual – ou seja, tendo sua consolidação epistemológica e metodológica – a
partir de Skinner.
Não, esse não é o Sr.Burns dos Simpsons, tampouco uma lâmpada de óculos. Esse aí é o tal do Skinner. |
A filosofia que fundamenta a Análise do Comportamento é
chamada de Behaviorismo Radical,
desenvolvida pelo próprio Skinner. Nas palavras de Tourinho:
Na análise do comportamento, o behaviorismo radical
ocupa o lugar das produções filosóficas, reflexivas ou conceituais. Isso leva
Skinner (1969) a referir-se ao behaviorismo radical como “uma filosofia da
ciência que se ocupa do objeto de estudos e dos métodos da Psicologia”
(TOURINHO, 2003)
É importante ressaltar que nosso objeto de estudo
aqui é especificamente o Behaviorismo Radical, já que existem diversas outras
formas de behaviorismos anteriores, contemporâneos ou posteriores a Skinner.
Inclusive, o emprego do termo “radical” no nome vem propiciando diversas
confusões, sendo frequentemente tomado como sinônimo de “extremo”, “ortodoxo”,
quando na verdade o termo “radical” do Behaviorismo Radical vem de “raiz” e
serve para distingui-lo de outros modelos behavioristas, ao mesmo tempo em que
ressalta que seu foco é no comportamento. Devido a esta confusão, existem até
propostas para alterar o nome dessa filosofia para “behaviorismo
contextualista” ou “behaviorismo skinneriano” (CARRARA, 1998). Como esta
alteração ainda não é plenamente difundida na literatura da área,
permaneceremos usando o termo “Behaviorismo Radical”.
Dividi essa breve apresentação das bases
epistemológicas do behaviorismo radical em três partes: na primeira, falarei da
relação do behaviorismo radical com a ciência; na segunda, de como aborda o
problema mente e corpo e o evolucionismo; na terceira, seu posicionamento com
relação ao conhecimento, a realidade e o critério de verdade.
Sem mais delongas, vamos começar.
Parte 1: Behaviorismo Radical e Ciência
O Behaviorismo Radical sempre teve explícita filiação
à ciência, pautando sua epistemologia num modo de produção científico. Esta
postura permanece até hoje e é frequente behavioristas radicais se denominarem
cientistas do comportamento, assim como se referirem ao próprio Behaviorismo
Radical como uma “filosofia da ciência” (TOURINHO, 2003). Skinner
incansavelmente demonstrou seu comprometimento e admiração com a produção de
conhecimento científico, como por exemplo, quando diz que:
Os cientistas descobriram também o valor de ficar sem
uma resposta até que uma satisfatória possa ser encontrada. É uma lição
difícil. Requer considerável treino evitar conclusões prematuras, deixar de
fazer afirmações onde provas sejam insuficientes e dar explicações que sejam
puras invencionices. Entretanto, a história da ciência tem demonstrado
repetidamente a vantagem deste procedimento. (SKINNER, 1953/1970, p.16)
São frequentes os mal-entendidos com relação à
proposta científica do Behaviorismo Radical, frequentemente confundindo-o com o
Behaviorismo de Watson, hoje chamado, por alguns, de Behaviorismo Metodológico.
Watson propunha o estudo do comportamento através de esquemas de estímulo e
resposta, sendo uma proposta reconhecida como “mecanicista”, já que envolve
apenas uma relação mecânica: um estímulo que elicia uma resposta. Já o Behaviorismo
Radical trabalha com “relações funcionais”, numa proposta que envolve um
contexto que produz uma determinada resposta, que, por sua vez, tem uma consequência.
Consequência esta que influencia a probabilidade futura de uma resposta similar
num contexto similar: uma consequência que aumente a probabilidade do organismo
voltar a emitir aquela resposta em contextos similares é chamada de reforçadora;
uma consequência que diminua essa mesma probabilidade é chamada de punitiva.
Em suma, é uma noção de causalidade formulada em termos de relações funcionais
entre eventos, o que é um modo de afastar-se de posturas mecanicistas.
Outra confusão comum é acreditar que a proposta de
ciência do Behaviorismo Radical ignoraria elementos não diretamente
observáveis, tais quais pensamentos, sentimentos, etc., focando-se assim apenas
em comportamentos observáveis, públicos, ações motoras. Isso não é verdade no
caso do Behaviorismo Radical. De fato, Watson, em sua modalidade de
behaviorismo, acreditava que a dificuldade de acesso e consenso público sobre
eventos privados (como sentimentos, pensamentos, etc.) impedia que fossem
estudados numa proposta científica e, mais do que isso, acreditava que o estudo
do comportamento poderia passar sem abordar estas questões. Skinner vai no
sentido oposto a essa postura:
Na medida em que o comportamento verbal começa a ser
estudado, amplia-se a abrangência deste fazer, de forma a incorporar todos os
níveis da ação humana; os eventos privados, a moral, o pensamento, a
consciência, a alienação e a própria ciência, que é compreendida como uma forma
de comportamento (...). O estudo do comportamento verbal permite propor eventos
privados como pertencentes ao seu objeto de estudo, o que afasta Skinner de
posturas metodológicas que defendem a necessidade de observação direta como
condição de tomar um objeto como passível de ser estudado pela ciência, uma vez
que ela permitiria um consenso público. (MICHELLETO, 2001, p.41)
Esta última questão leva diretamente a uma terceira,
que é a constante vinculação do Behaviorismo Radical com o positivismo.
Quem adotava um modelo positivista era, novamente, o Behaviorismo watsoniano. Não
que isso seja um defeito a priori:
como argumentei em outro texto aqui do blog (link), é preciso mais do que
simplesmente taxar de “positivista”. Mas este mito talvez seja o mais difundido
porque tem algum fundo de verdade, mesmo que muito remoto.
Embora Skinner jamais tenha compartilhado das
propostas positivistas de Watson – que envolvia, dentre outras, a já comentada
proposta de estudar apenas o que era observável e mensurável -, ele de fato
teve uma grande influência, especialmente em suas primeiras obras, da proposta
de ciência de Ernst Mach, que foi o maior inspirador do positivismo lógico do
Círculo de Viena:
Já se
frisou anteriormente a influência (confirmada pelo próprio Skinner) de Ernst
Mach (The science of Mechanics) no lastreamento filosófico do
Behaviorismo Radical. Mach, um positivista até certo ponto dissidente das
principais idéias do Círculo de Viena (embora tivesse sido inspirador de vários
de seus membros), certamente influiu na disposição de Skinner em objetivizar o
estudo do comportamento. (CARRARA, 1998, p.142)
Skinner viu em Mach uma proposta de ciência que
parecia servir exemplarmente para sua proposta de uma Psicologia científica, já
que se afastava da necessidade do observável e ainda assim mantinha uma
proposta pragmatista e coerente com o discurso científico que ascendeu no
começo do século XX e consolidou-se (temos como exemplo destacado a física
quântica de Plank e Einstein). A postura de Mach vai definir a visão geral de
ciência que o Behaviorismo Radical adotará, conforme aponta Baum:
O behaviorismo contemporâneo, radical, baseia-se no
pragmatismo. A resposta que ele dá à pergunta “O que é ciência” é a resposta de
James e Mach: ciência é a busca de descrições econômicas e abrangentes da
experiência natural humana (isto é, nossa experiência do “mundo natural”).
(BAUM, 1999, p.43)
E, embora Mach tenha sido uma influência decisiva na
concepção de ciência skinneriana, não se pode dizer que ele define todos os
compromissos de sua ciência do comportamento, conforme aponta Tourinho (2003) e
Laurenti (2004). Mas retornaremos novamente à influência de Mach no
Behaviorismo Radical mais a frente, ao debatermos as concepções skinnerianas de
conhecimento, realidade e o critério de verdade (na terceira parte,
Conhecimento, Realidade, Critério de Verdade). Para concluir a questão do
positivismo, citamos novamente Tourinho, que é categórico ao afastar o
Behaviorismo Radical do positivismo:
Qualquer tentativa de caracterizar filosoficamente o
behaviorismo radical com base na referência ao positivismo exigirá que se
ignorem aspectos importantes da elaboração skinneriana e de outros analistas do
comportamento; será, de outro modo, uma distorção do que se encontra na
literatura da área.(TOURINHO, 2003)
Ao contrário da maioria dos grandes autores da
Psicologia, Skinner não formulou sua teoria com base em uma prática clínica,
mas com base em sua pesquisa em laboratório. Skinner não desvalorizava a
prática clínica e tampouco o estudo de caso, mas acreditava que estes eram
apenas de utilidade para uma etapa preliminar da ciência: “A descrição do caso
particular, não importa quão acurada ou quantitativa possa ser, é somente um
passo preliminar. O passo seguinte é a descoberta de uma espécie qualquer de UNIFORMIDADE.”
(SKINNER, 1953/1970, p.17)
Por fim, vale pontuar que o Behaviorismo Radical
busca formular sua proposta como sendo uma ciência natural, rejeitando
inclusive qualquer forma de sobrenaturalismo e imaterialismo. O que nos leva ao
próximo tema, que será publicado em breve. Aguardem.
Referências:
BAUM, William M., Compreender o behaviorismo:
Ciência, Comportamento e Cultura – Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul
Ltda., 1999
CARRARA, Kester. Behaviorismo radical: crítica
e metacrítica. São Paulo, Marília: UNESP / FAPESP, 1998
LAURENTI, Carolina. Hume, Mach e Skinner: a
explicação do comportamento. – São Carlos, UFSCar, 2004
MICHELLETO, N. Bases filosóficas do behaviorismo
radical. In BANACO, Roberto Alves et al. Sobre Comportamento e Cognição:
aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e
terapia cognitivista. 1ª edição, Santo André, SP. Editores Associados, 2001
SKINNER, B.F. Ciência e comportamento humano.
2ª edição – Editora Universidade de Brasília, 1970
TOURINHO, E.Z, A produção de conhecimento em
psicologia: a análise do comportamento; Psicol. cienc. prof. v.23 n.2
Brasília jun. 2003
Antes que comentem, obviamente uma das coisas que estou ciente e decidi simplificar foi a postura watsoniana a respeito dos eventos privados, assim como talvez não seja possível chamar seu behaviorismo de "metodológico".
ResponderExcluirDecidi deixar assim porque são esses os termos mais usados e facilitará ao leitor lego distingui-los quando ouvir a respeito.
Parabéns Pedro!
ResponderExcluirVou acompanhar a série!
Valeu, cara!
ExcluirEm poucos dias sairá a próxima!
Show de bola! De boa compreensão o texto, sobretudo, para leigos em ciência.
ResponderExcluirObrigado, Júlio! Bom saber, foi justamente esse o objetivo!
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirJá faz um bom tempo que o positivismo não é entendido como o fazer científico que se apoia exclusivamente no que é observável. 'Positivista' é qualquer filosofia da ciência que pretende VERIFICAR (verificar = atribuir valor de verdade a) hipóteses científicas pela experiência. Nesse sentido, o behaviorismo é sim positivista. Segundo Popper, o positivismo comete petição de princípio: A validade de experimentos positivistas depende da veracidade da teoria que se está tentando verificar nele. Por essa razão, Popper opôs ao positivismo científico o negativismo científico, alegando que teorias científicas não podem ser jamais verificadas pela experiência, apenas falseadas.
ResponderExcluir"'Positivista' é qualquer filosofia da ciência que pretende VERIFICAR (verificar = atribuir valor de verdade a) hipóteses científicas pela experiência."
ExcluirEssa é uma das acepções do positivismo, existem dezenas delas, como mostrou o Lacerda em seu livro sobre o positivismo.
Essa aí, popperiana, é especialmente ruim por confundir-se com o empirismo.
Mas independentemente disso, o behaviorismo não seria positivista, já que não há verificacionismo, não há uma ontologia que permite um positivismo nessa acepção. Mesmo os EXPERIMENTOS behavioristas funcionam mais no "o que aconteceria se", não descrevendo funcionamentos da realidade a partir da experiência. É adotado a efetividade como critério de verdade. Falarei mais sobre o critério de verdade do behaviorismo radical na parte 3.
Obrigado, Pedro, por compartilhar o produto das discussões de vocês! Parabéns pela iniciativa!
ResponderExcluirValeu, cara! Certeza que vai gostar ainda mais das próximas partes.
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