domingo, 29 de julho de 2012

Bases Epistemológicas do Behaviorismo Radical: Parte 1

Autor: Pedro Sampaio

Nota introdutória: Começo aqui a postar textos que pretendem apresentar, ainda que de maneira introdutória e superficial, a base epistemológica do behaviorismo radical. Como serão textos breves, evitarei entrar em detalhes e controvérsias dentro da área. Mesmo que possam existir várias coisas que desconheço, estou certo de estar ciente da grande maioria dos pormenores que deliberadamente omiti. Não esperem, por exemplo, que eu vá ficar debatendo detalhes sobre a concepção skinneriana de verdade, sobre como existem analistas do comportamento que interpretam o behaviorismo radical como coerente com o pluralismo e etc. Isso é supérfluo aos propósitos deste texto e iria mais confundir do que auxiliar o leitor. Assim, clamo por certa indulgência do leitor com um conhecimento mais aprofundado, certo de que ele é capaz de entender o objetivo deste texto e o sacrifício necessário para sua empreitada. Dito isso, prossigamos.


A Análise do Comportamento é uma proposta para o estudo científico do comportamento, inspirada pelos experimentos de condicionamento reflexo de Pavlov e no Behaviorismo de Watson, até tomar sua forma atual – ou seja, tendo sua consolidação epistemológica e metodológica – a partir de Skinner. 

Não, esse não é o Sr.Burns dos Simpsons, tampouco uma lâmpada de óculos. Esse aí é o tal do Skinner.

A filosofia que fundamenta a Análise do Comportamento é chamada de Behaviorismo Radical, desenvolvida pelo próprio Skinner. Nas palavras de Tourinho:

Na análise do comportamento, o behaviorismo radical ocupa o lugar das produções filosóficas, reflexivas ou conceituais. Isso leva Skinner (1969) a referir-se ao behaviorismo radical como “uma filosofia da ciência que se ocupa do objeto de estudos e dos métodos da Psicologia” (TOURINHO, 2003)

É importante ressaltar que nosso objeto de estudo aqui é especificamente o Behaviorismo Radical, já que existem diversas outras formas de behaviorismos anteriores, contemporâneos ou posteriores a Skinner. Inclusive, o emprego do termo “radical” no nome vem propiciando diversas confusões, sendo frequentemente tomado como sinônimo de “extremo”, “ortodoxo”, quando na verdade o termo “radical” do Behaviorismo Radical vem de “raiz” e serve para distingui-lo de outros modelos behavioristas, ao mesmo tempo em que ressalta que seu foco é no comportamento. Devido a esta confusão, existem até propostas para alterar o nome dessa filosofia para “behaviorismo contextualista” ou “behaviorismo skinneriano” (CARRARA, 1998). Como esta alteração ainda não é plenamente difundida na literatura da área, permaneceremos usando o termo “Behaviorismo Radical”.

Dividi essa breve apresentação das bases epistemológicas do behaviorismo radical em três partes: na primeira, falarei da relação do behaviorismo radical com a ciência; na segunda, de como aborda o problema mente e corpo e o evolucionismo; na terceira, seu posicionamento com relação ao conhecimento, a realidade e o critério de verdade.

Sem mais delongas, vamos começar.


Parte 1: Behaviorismo Radical e Ciência



O Behaviorismo Radical sempre teve explícita filiação à ciência, pautando sua epistemologia num modo de produção científico. Esta postura permanece até hoje e é frequente behavioristas radicais se denominarem cientistas do comportamento, assim como se referirem ao próprio Behaviorismo Radical como uma “filosofia da ciência” (TOURINHO, 2003). Skinner incansavelmente demonstrou seu comprometimento e admiração com a produção de conhecimento científico, como por exemplo, quando diz que:

Os cientistas descobriram também o valor de ficar sem uma resposta até que uma satisfatória possa ser encontrada. É uma lição difícil. Requer considerável treino evitar conclusões prematuras, deixar de fazer afirmações onde provas sejam insuficientes e dar explicações que sejam puras invencionices. Entretanto, a história da ciência tem demonstrado repetidamente a vantagem deste procedimento. (SKINNER, 1953/1970, p.16)

São frequentes os mal-entendidos com relação à proposta científica do Behaviorismo Radical, frequentemente confundindo-o com o Behaviorismo de Watson, hoje chamado, por alguns, de Behaviorismo Metodológico. Watson propunha o estudo do comportamento através de esquemas de estímulo e resposta, sendo uma proposta reconhecida como “mecanicista”, já que envolve apenas uma relação mecânica: um estímulo que elicia uma resposta. Já o Behaviorismo Radical trabalha com “relações funcionais”, numa proposta que envolve um contexto que produz uma determinada resposta, que, por sua vez, tem uma consequência. Consequência esta que influencia a probabilidade futura de uma resposta similar num contexto similar: uma consequência que aumente a probabilidade do organismo voltar a emitir aquela resposta em contextos similares é chamada de reforçadora; uma consequência que diminua essa mesma probabilidade é chamada de punitiva. Em suma, é uma noção de causalidade formulada em termos de relações funcionais entre eventos, o que é um modo de afastar-se de posturas mecanicistas.

Outra confusão comum é acreditar que a proposta de ciência do Behaviorismo Radical ignoraria elementos não diretamente observáveis, tais quais pensamentos, sentimentos, etc., focando-se assim apenas em comportamentos observáveis, públicos, ações motoras. Isso não é verdade no caso do Behaviorismo Radical. De fato, Watson, em sua modalidade de behaviorismo, acreditava que a dificuldade de acesso e consenso público sobre eventos privados (como sentimentos, pensamentos, etc.) impedia que fossem estudados numa proposta científica e, mais do que isso, acreditava que o estudo do comportamento poderia passar sem abordar estas questões. Skinner vai no sentido oposto a essa postura:

Na medida em que o comportamento verbal começa a ser estudado, amplia-se a abrangência deste fazer, de forma a incorporar todos os níveis da ação humana; os eventos privados, a moral, o pensamento, a consciência, a alienação e a própria ciência, que é compreendida como uma forma de comportamento (...). O estudo do comportamento verbal permite propor eventos privados como pertencentes ao seu objeto de estudo, o que afasta Skinner de posturas metodológicas que defendem a necessidade de observação direta como condição de tomar um objeto como passível de ser estudado pela ciência, uma vez que ela permitiria um consenso público. (MICHELLETO, 2001, p.41)

Esta última questão leva diretamente a uma terceira, que é a constante vinculação do Behaviorismo Radical com o positivismo. Quem adotava um modelo positivista era, novamente, o Behaviorismo watsoniano. Não que isso seja um defeito a priori: como argumentei em outro texto aqui do blog (link), é preciso mais do que simplesmente taxar de “positivista”. Mas este mito talvez seja o mais difundido porque tem algum fundo de verdade, mesmo que muito remoto.

Embora Skinner jamais tenha compartilhado das propostas positivistas de Watson – que envolvia, dentre outras, a já comentada proposta de estudar apenas o que era observável e mensurável -, ele de fato teve uma grande influência, especialmente em suas primeiras obras, da proposta de ciência de Ernst Mach, que foi o maior inspirador do positivismo lógico do Círculo de Viena:
Já se frisou anteriormente a influência (confirmada pelo próprio Skinner) de Ernst Mach (The science of Mechanics) no lastreamento filosófico do Behaviorismo Radical. Mach, um positivista até certo ponto dissidente das principais idéias do Círculo de Viena (embora tivesse sido inspirador de vários de seus membros), certamente influiu na disposição de Skinner em objetivizar o estudo do comportamento. (CARRARA, 1998, p.142)
Skinner viu em Mach uma proposta de ciência que parecia servir exemplarmente para sua proposta de uma Psicologia científica, já que se afastava da necessidade do observável e ainda assim mantinha uma proposta pragmatista e coerente com o discurso científico que ascendeu no começo do século XX e consolidou-se (temos como exemplo destacado a física quântica de Plank e Einstein). A postura de Mach vai definir a visão geral de ciência que o Behaviorismo Radical adotará, conforme aponta Baum:

O behaviorismo contemporâneo, radical, baseia-se no pragmatismo. A resposta que ele dá à pergunta “O que é ciência” é a resposta de James e Mach: ciência é a busca de descrições econômicas e abrangentes da experiência natural humana (isto é, nossa experiência do “mundo natural”). (BAUM, 1999, p.43)

E, embora Mach tenha sido uma influência decisiva na concepção de ciência skinneriana, não se pode dizer que ele define todos os compromissos de sua ciência do comportamento, conforme aponta Tourinho (2003) e Laurenti (2004). Mas retornaremos novamente à influência de Mach no Behaviorismo Radical mais a frente, ao debatermos as concepções skinnerianas de conhecimento, realidade e o critério de verdade (na terceira parte, Conhecimento, Realidade, Critério de Verdade). Para concluir a questão do positivismo, citamos novamente Tourinho, que é categórico ao afastar o Behaviorismo Radical do positivismo:

Qualquer tentativa de caracterizar filosoficamente o behaviorismo radical com base na referência ao positivismo exigirá que se ignorem aspectos importantes da elaboração skinneriana e de outros analistas do comportamento; será, de outro modo, uma distorção do que se encontra na literatura da área.(TOURINHO, 2003)

Ao contrário da maioria dos grandes autores da Psicologia, Skinner não formulou sua teoria com base em uma prática clínica, mas com base em sua pesquisa em laboratório. Skinner não desvalorizava a prática clínica e tampouco o estudo de caso, mas acreditava que estes eram apenas de utilidade para uma etapa preliminar da ciência: “A descrição do caso particular, não importa quão acurada ou quantitativa possa ser, é somente um passo preliminar. O passo seguinte é a descoberta de uma espécie qualquer de UNIFORMIDADE.” (SKINNER, 1953/1970, p.17)

Por fim, vale pontuar que o Behaviorismo Radical busca formular sua proposta como sendo uma ciência natural, rejeitando inclusive qualquer forma de sobrenaturalismo e imaterialismo. O que nos leva ao próximo tema, que será publicado em breve. Aguardem.


Referências:

BAUM, William M., Compreender o behaviorismo: Ciência, Comportamento e Cultura – Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda., 1999

CARRARA, Kester. Behaviorismo radical: crítica e metacrítica. São Paulo, Marília: UNESP / FAPESP, 1998

LAURENTI, Carolina. Hume, Mach e Skinner: a explicação do comportamento. – São Carlos, UFSCar, 2004

MICHELLETO, N. Bases filosóficas do behaviorismo radical. In BANACO, Roberto Alves et al. Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. 1ª edição, Santo André, SP. Editores Associados, 2001

SKINNER, B.F. Ciência e comportamento humano. 2ª edição – Editora Universidade de Brasília, 1970

TOURINHO, E.Z, A produção de conhecimento em psicologia: a análise do comportamento; Psicol. cienc. prof. v.23 n.2 Brasília jun. 2003

10 comentários:

  1. Antes que comentem, obviamente uma das coisas que estou ciente e decidi simplificar foi a postura watsoniana a respeito dos eventos privados, assim como talvez não seja possível chamar seu behaviorismo de "metodológico".

    Decidi deixar assim porque são esses os termos mais usados e facilitará ao leitor lego distingui-los quando ouvir a respeito.

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  2. Parabéns Pedro!

    Vou acompanhar a série!

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  3. Show de bola! De boa compreensão o texto, sobretudo, para leigos em ciência.

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    1. Obrigado, Júlio! Bom saber, foi justamente esse o objetivo!

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  4. Já faz um bom tempo que o positivismo não é entendido como o fazer científico que se apoia exclusivamente no que é observável. 'Positivista' é qualquer filosofia da ciência que pretende VERIFICAR (verificar = atribuir valor de verdade a) hipóteses científicas pela experiência. Nesse sentido, o behaviorismo é sim positivista. Segundo Popper, o positivismo comete petição de princípio: A validade de experimentos positivistas depende da veracidade da teoria que se está tentando verificar nele. Por essa razão, Popper opôs ao positivismo científico o negativismo científico, alegando que teorias científicas não podem ser jamais verificadas pela experiência, apenas falseadas.

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    1. "'Positivista' é qualquer filosofia da ciência que pretende VERIFICAR (verificar = atribuir valor de verdade a) hipóteses científicas pela experiência."

      Essa é uma das acepções do positivismo, existem dezenas delas, como mostrou o Lacerda em seu livro sobre o positivismo.

      Essa aí, popperiana, é especialmente ruim por confundir-se com o empirismo.

      Mas independentemente disso, o behaviorismo não seria positivista, já que não há verificacionismo, não há uma ontologia que permite um positivismo nessa acepção. Mesmo os EXPERIMENTOS behavioristas funcionam mais no "o que aconteceria se", não descrevendo funcionamentos da realidade a partir da experiência. É adotado a efetividade como critério de verdade. Falarei mais sobre o critério de verdade do behaviorismo radical na parte 3.

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  5. Obrigado, Pedro, por compartilhar o produto das discussões de vocês! Parabéns pela iniciativa!

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    1. Valeu, cara! Certeza que vai gostar ainda mais das próximas partes.

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