segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Tradução de entrevista concedida por B. F. Skinner a Emilio Ribes-Iñesta em 25 de janeiro de 1990


Tradução: Vinícius Garcia

Uma entrevista não-publicada com B. F. Skinner

Emilio Ribes-Iñesta

Entrevista com B. F. Skinner (25 de janeiro de 1990)

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1) Por que você escolheu o modelo reflexo – radicalmente modificado – para formular a taxonomia e a metodologia fundamentais para o desenvolvimento de uma teoria sobre o comportamento?

Skinner: Eu fiquei interessado em reflexos após ler livros de Pavlov, Sherrington e Magnus. Isso não foi uma boa preparação para minha pesquisa. Reflexos se referem às respostas de órgãos.  Minha pesquisa me levou para a variação e seleção do comportamento do organismo como um todo.

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2) Em seus escritos, você admite que o comportamento é ordenado – como qualquer fenômeno natural estudado pela ciência positiva. Você pensa que essa suposição influenciou sua concepção sobre teoria como linguagem de dados [data-language] e o estudo do comportamento como controle tecnológico? Você pensa que dados são independentes de teoria, ou, ao contrário, que eles são teoricamente determinados? [Os escritos aqui mencionados são: Skinner , 1931, 1935, 1956].

Skinner: Eu admiti que o comportamento era ordenado e esse pressuposto básico foi, sem dúvida, importante para mim em todas as fases da minha carreira. Eu não considerei isso como um pressuposto essencial, no entanto. Eu acho que dados são independentes da teoria, embora teorias determinem a seleção dos dados. Essa é uma das coisas que tenho contra teorias. Todos os dados devem ser considerados. 

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3) Como você concebe sua análise do comportamento? Como uma análise molar ou molecular? A seleção de uma propriedade representativa do fluxo comportamental deixa em aberto ambas as interpretações. [Nota do entrevistador: como um ponto de referência, Logan (1960) argumentou que a distinção molar X molecular está relacionada à regra de agregação em relação a respostas qualitativamente diferentes. O grau de restrições ao definir a qualidade de uma resposta estabelece os limites entre uma classe molar ou molecular. Quanto maior o número de respostas explícita e qualitativamente diferentes em uma classe, mais molar é a definição de uma classe de respostas. Por outro lado, a maior restrição possível consiste em especificar uma qualidade única do responder, o que faz com que a definição dessa classe de resposta seja molecular. O mesmo critério pode ser aplicado para analisar a distinção macro-micro como uma agregação de comportamentos qualitativamente diferentes.]

Skinner: A distinção entre molar e molecular nunca foi importante para mim. Ela é usada de muitas maneiras diferentes. Se ela significa a diferença entre como o organismo funciona, algo a ser revelado eventualmente pela fisiologia (molecular), e por que o organismo funciona dessa maneira e por que muda de momento a momento durante a vida do indivíduo (molar), então eu estou do lado molar. Não tenho interesse algum em como o organismo funciona.


sábado, 6 de outubro de 2012

Estilos cognitivos, problemas matemáticos e Deus

Autor: Daniel Gontijo

Recentemente, li um estudo interessante cujos resultados demonstram uma relação significativa entre o desempenho em problemas matemáticos e a convicção com que se crê em Deus (Shenhav, Rand e Greene, 2011). Em vez de avaliarem habilidades matemáticas, a intenção dos pesquisadores foi verificar a tendência dos participantes de dar respostas intuitivas ou refletidas a questões que, na verdade, eram "pegadinhas" -- ou enunciados que induziam respostas intuitivamente atrativas, mas erradas. Essas tendências, concebidas como estilos cognitivos, explicariam a força com que as pessoas acreditam em Deus e -- como no caso da matemática -- a forma como se comportam em outros contextos da vida.


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Relations between kleptomania and anxiety: some notes on the role of negative reinforcement*

Author: Vinícius Garcia

While treating a case involving response classes that characterized the so-called kleptomania, I performed a functional assessment of the behavior of compulsive stealing. The results strongly suggested that the behavior of stealing occurred only when the client was feeling anxious for long periods. The chronic anxiety for prolonged times always preceded episodes of stealing. As is common in cases of kleptomania, the client, in most cases, used to steal objects of little or no value. From the beginning, it was quite clear that the stolen objects or values ​​did not bear any relation with the material needs of the client.

Throughout therapy, the client was able to describe that when he was feeling very anxious under anxiogenic stimuli, over which he had no control, he used to engage in behavior that also produced anxiogenic contexts, but on which he could have relative control. That is, when feeling constantly and chronically anxious under various contexts involving uncontrollability, he then used to involve himself in contexts that could produce sudden and acute anxiety. These contexts, however,  were controllable. In such controllable contexts, he could be caught when stealing or he could get away and feel immediate relief from anxiety. This kind of behavior did not result in lasting relief from anxiety, only in immediate alleviation. The kleptomaniac behavior was therefore maintained by negative reinforcement by soften momentarily the chronic anxiety produced by previous uncontrollable anxiogenic stimuli, through the cessation of controllable anxiogenic stimuli.



terça-feira, 2 de outubro de 2012

Relações entre cleptomania e ansiedade: alguns apontamentos sobre o papel do reforçamento negativo*

Autor: Vinícius Garcia

Ao tratar um caso que envolvia comportamentos que caracterizavam a chamada cleptomania, realizei uma análise funcional do comportamento de furto compulsivo. Os resultados sugeriram fortemente que o comportamento de furtar ocorria apenas quando o cliente estava se sentindo ansioso por longos períodos. A ansiedade crônica por períodos prolongados precedia sempre os episódios de furto. Como é comum em casos de cleptomania, o cliente, na maioria das vezes, furtava objetos sem qualquer valor, ou mesmo notas de um ou dois reais. Desde o início, estava bastante claro que os objetos ou valores furtados não mantinham nenhuma relação com as necessidades materiais do cliente.


quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O quanto sabemos sobre nós mesmos

Autor: Nicolau Chaud(1)
Seção Circulando Ideias

Uma das principais contribuições de Skinner diante das formas anteriores de comportamentalismo e à Psicologia como um todo foi a asserção de que eventos privados estão sujeitos às mesmas leis naturais que outros eventos comportamentais. Com isso, pensamentos, emoções e imaginação saíram do limbo onde haviam sido colocados pelos behavioristas metodológicos, mas também desceram do pedestal onde eram mantidos pelas psicologias mentalistas, passando a ocupar posição de igualdade com outros eventos comportamentais, pelo menos de um ponto de vista epistemológico.

Apesar da proposição, existe um viés cultural que dá importância especial àquilo que ocorre “debaixo da pele”. No senso comum, o acesso a eventos privados seria responsável pelo fato de uma pessoa ter um conhecimento sobre si próprio (autoconhecimento – tomado como repertório autodescritivo) superior ao conhecimento que outras pessoas tem dela. Em uma visão comum, nossas ideias, pensamentos e emoções definem aquilo que nos torna únicos e especiais. Tal viés ainda permeia algumas análises comportamentais, como ocorre às vezes em descrições sobre emoções, auto-regras e autoconhecimento.

Surge um impasse na tentativa de explicar tal forma de autoconhecimento em uma análise comportamental quando reconhecemos que o conhecimento sobre si próprio é construído nas relações interpessoais. Relatos sobre o próprio comportamento são aprendidos mediante contingências dispostas pela comunidade verbal, e tais contingências só podem operar quando essa comunidade tem acesso ao nosso comportamento. O que acontece quando nosso comportamento não é acessível por ninguém mais além de nós mesmos?


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Termos psicológicos disposicionais em análise do comportamento

Autor: Daniel Gontijo

Há um tempo atrás, trombei com o interessante artigo "Termos psicológicos disposicionais e análise do comportamento". Nele, Filipe Lazzeri e Jorge M. Oliveira-Castro (2010) discutem a crítica de Skinner sobre o uso de termos mentalistas e vernaculares em uma ciência do comportamento. Para o fundador do behaviorismo radical, termos como "inteligência", "extroversão" e "responsabilidade" -- alguns exemplos de termos psicológicos disposicionais (TPDs) -- seriam inadmissíveis, porquanto "coisificariam" ou "substancializariam" fenômenos comportamentais. Se os admitíssemos, correríamos o risco de deixar que eles tomem para si o papel de explicar certos comportamentos, incorrendo portanto num dos problemas básicos do internalismo. Mas Lazzeri e Oliveira-Castro veem uma solução para esse impasse: em vez de tratá-los como entidades, construtos ou variáveis latentes que causam ou dão início ao comportamento, podemos concebê-los como termos que fazem menção a certas respostas que ocorrem regularmente em certos contextos.

domingo, 19 de agosto de 2012

Nota sobre nossa mesa redonda do XXI Encontro da ABPMC

Autor: Daniel Gontijo

No dia 17 de agosto, Pedro Sampaio, Júnio Rezende e eu compusemos a mesa redonda intitulada "Comportamento Religioso: Aspectos Teóricos, Metodológicos e Sociais" no XXI Encontro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC). A sala encheu mais do que esperávamos, e a maior parte dos feedbacks nos deixou efusivamente animados para seguir adiante com a complicada e polêmica tarefa de compreender o comportamento religioso. Apesar disso, algo sobre o conteúdo das apresentações e sobre a impressão que esse conteúdo deixou em algumas pessoas merece ser esclarecido.

Da esquerda para a direita, Alexandre Dittrich (coordenador), Pedro Sampaio, Daniel Gontijo e Júnio Rezende.

domingo, 12 de agosto de 2012

Bases Epistemológicas do Behaviorismo Radical - Parte 3

Autor: Pedro Sampaio


A nota introdutória da Parte 1 continua valendo aqui também. As partes dessa série são mais ou menos independentes, mas é recomendável que tenham lido as anteriores antes de prosseguir:

Parte 1: Behaviorismo Radical e Ciência
Parte 2: O problema mente-corpo e a continuidade entre espécies



Parte 3: Conhecimento, Realidade e Critério de Verdade

Para o Behaviorismo Radical conhecimento não é uma posse, mas uma probabilidade de o indivíduo agir sobre o mundo de modos produtivos (TOURINHO, 2003). Esse posicionamento é inspirado na filosofia da ciência de Ernst Mach.


Mach não se compromete com a dicotomia “verdadeiro – falso”, mas prefere trabalhar em termos de conhecimento e erro. Podemos dizer que, para Mach, conhecimento seriam maneiras eficazes de atuar sobre seu objeto de estudo – teórico ou prático – que permitam alcançar certos objetivos, e erro seriam maneiras ineficazes, ou menos eficazes, desta abordagem ao objeto de estudo. Esta posição de Mach é pragmatista: “é sem importância para um cientista, diz Mach, que suas representações estejam ou não de acordo com tal sistema filosófico; o essencial é que ele possa tomá-las, com êxito, como ponto de partida de suas pesquisas.” (FULGÊNCIO, 2006, p.92).

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Bases Epistemológicas do Behaviorismo Radical - Parte 2


Autor: Pedro Sampaio

A nota introdutória da parte 1 (link) continua valendo. Aliás, se não leram ainda a primeira parte, recomendo que leiam antes de prosseguir.


O problema mente-corpo



É salutar, ao analisar a epistemologia de uma determinada teoria psicológica, posicioná-la com relação ao problema mente-corpo. Isto permite posicionar determinada corrente de pensamento como crente ou não da possibilidade de existência de algo imaterial, imanente, transcendente e igualmente na possibilidade de algo físico interagir com o não-físico. No caso de correntes psicológicas, torna-se especialmente relevante por poder demonstrar se o seu próprio objeto de estudo é algo imaterial e cientificamente insondável ou não.

domingo, 29 de julho de 2012

Bases Epistemológicas do Behaviorismo Radical: Parte 1

Autor: Pedro Sampaio

Nota introdutória: Começo aqui a postar textos que pretendem apresentar, ainda que de maneira introdutória e superficial, a base epistemológica do behaviorismo radical. Como serão textos breves, evitarei entrar em detalhes e controvérsias dentro da área. Mesmo que possam existir várias coisas que desconheço, estou certo de estar ciente da grande maioria dos pormenores que deliberadamente omiti. Não esperem, por exemplo, que eu vá ficar debatendo detalhes sobre a concepção skinneriana de verdade, sobre como existem analistas do comportamento que interpretam o behaviorismo radical como coerente com o pluralismo e etc. Isso é supérfluo aos propósitos deste texto e iria mais confundir do que auxiliar o leitor. Assim, clamo por certa indulgência do leitor com um conhecimento mais aprofundado, certo de que ele é capaz de entender o objetivo deste texto e o sacrifício necessário para sua empreitada. Dito isso, prossigamos.


A Análise do Comportamento é uma proposta para o estudo científico do comportamento, inspirada pelos experimentos de condicionamento reflexo de Pavlov e no Behaviorismo de Watson, até tomar sua forma atual – ou seja, tendo sua consolidação epistemológica e metodológica – a partir de Skinner. 

Não, esse não é o Sr.Burns dos Simpsons, tampouco uma lâmpada de óculos. Esse aí é o tal do Skinner.

A filosofia que fundamenta a Análise do Comportamento é chamada de Behaviorismo Radical, desenvolvida pelo próprio Skinner. Nas palavras de Tourinho:

Na análise do comportamento, o behaviorismo radical ocupa o lugar das produções filosóficas, reflexivas ou conceituais. Isso leva Skinner (1969) a referir-se ao behaviorismo radical como “uma filosofia da ciência que se ocupa do objeto de estudos e dos métodos da Psicologia” (TOURINHO, 2003)

É importante ressaltar que nosso objeto de estudo aqui é especificamente o Behaviorismo Radical, já que existem diversas outras formas de behaviorismos anteriores, contemporâneos ou posteriores a Skinner. Inclusive, o emprego do termo “radical” no nome vem propiciando diversas confusões, sendo frequentemente tomado como sinônimo de “extremo”, “ortodoxo”, quando na verdade o termo “radical” do Behaviorismo Radical vem de “raiz” e serve para distingui-lo de outros modelos behavioristas, ao mesmo tempo em que ressalta que seu foco é no comportamento. Devido a esta confusão, existem até propostas para alterar o nome dessa filosofia para “behaviorismo contextualista” ou “behaviorismo skinneriano” (CARRARA, 1998). Como esta alteração ainda não é plenamente difundida na literatura da área, permaneceremos usando o termo “Behaviorismo Radical”.

Dividi essa breve apresentação das bases epistemológicas do behaviorismo radical em três partes: na primeira, falarei da relação do behaviorismo radical com a ciência; na segunda, de como aborda o problema mente e corpo e o evolucionismo; na terceira, seu posicionamento com relação ao conhecimento, a realidade e o critério de verdade.

Sem mais delongas, vamos começar.

sábado, 14 de julho de 2012

Você não é o seu cérebro

Autor: Pedro Sampaio


Compartilho com vocês esse interessante vídeo do Big Think, onde o filósofo Alva Noë questiona se somos o que o nosso cérebro faz, se a consciência é uma atividade do cérebro e coisas afins. 

Esse tema é muito debatido hoje em dia entre filósofos, psicólogos e neurocientistas. Com o avanço das neurociências, a questão torna-se ainda mais irresistível. Há quem acredite que o que somos, pensamos e tudo mais seja reduzido às atividades cerebrais e que pensar o contrário seja cair no ultrapassado dualismo; enquanto há os que defendem, como Noë, que não somos nosso cérebro.

Esse ponto é antigo e controverso entre behavioristas radicais. O behaviorismo radical definitivamente é monista com relação ao problema mente-corpo, mas há quem defenda um monismo fisicalista (redutivo ou não-redutivo) e há quem seja contra. Seja como for, o vídeo é curto e interessante -- para behavioristas, cognitivistas, neurocientistas, psicólogos, filósofos ou interessados. Assistam:

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Por que o estímulo reforçador reforça?

Autor: Daniel Gontijo

"Por que o reforçador reforça?" foi uma das primeiras perguntas inquietantes que me assaltaram quando eu entrei em contato com a análise do comportamento. E, ao levantá-la em sala de aula, minha professora sugeriu que eu lesse uma seção do livro Ciência e Comportamento Humano, de B. F. Skinner (1953/2003), cujo título é justamente a pergunta que fiz. Nessa seção, Skinner faz menção à filogênese, critica explicações privadas (às vezes denominadas "mentalistas") e vislumbra a possibilidade de, algum dia, as ciências biológicas nos fornecerem alguma explicação para o reforçamento. Antes de abordar esses tópicos -- especialmente o que discute o papel das emoções sobre o condicionamento operante --, falarei um pouco sobre o conceito de reforço.

Em primeiro lugar, nenhum evento ou estímulo é intrinsecamente reforçador. Um estímulo adquire a função reforçadora com base nos efeitos que ele exerce sobre um comportamento. E que efeitos são esses? Geralmente, diz-se que um estímulo é reforçador quando, em função de sua apresentação, aumenta a frequência do comportamento que o gerou (embora possa haver reforçamentos não-contingenciais). Se, no cortejo de uma mulher, descrever títulos e funções laborais (por exemplo, "Eu atuo como engenheiro metalúrgico na Petrobrás") é seguido por, digamos, uma noite cheia de beijos, poderíamos observar o aumento de frequência desse comportamento em ocasiões similares no futuro. Portanto, os beijos poderiam ser denominados reforçadores em função do efeito (aumento de frequência) que exerceram sobre aquelas descrições (comportamento). Se aquele comportamento não aumentar de frequência, não poderíamos dizer que os beijos, ou quaisquer outras consequências que o seguiram, o reforçaram.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Preconceitos acadêmicos: um estudo de caso

Autor: Ramon Cardinali


O preconceito acadêmico é um fenômeno comum e razoavelmente compreensível.
Nós simplesmente não temos tempo e recursos suficientes para nos aprofundar no estudo de todas escolas filosóficas, psicológicas, sociológicas etc., e em decorrência disso, as chances de que nós venhamos a desenvolver concepções reduzidas/simplificadas de tudo aquilo que foge aos nossos interesses mais imediatos são bastante elevadas. Soma-se a isso o fato de inúmeros fatores sócio-culturais (dentro e fora do âmbito acadêmico) se agregarem no sentido de favorecer o surgimento e a manutenção de uma espécie de "culto à autoridade", onde muito do que é dito por doutores, professores e cientistas é tomado como verdade absoluta e instantânea.

Quando alguém afirma que não gosta da Psicanálise porque ela "interpreta todos os fenômenos humanos apenas em termos de sexualidade" (ou em versão taquigráfica: pra Psicanálise "tudo é sexo!"), evidencia a formação daquilo que estou chamando de um preconceito acadêmico - no caso, uma descrição excessivamente simplificada/reduzida da teoria psicanalítica. Será que esta pessoa - nosso crítico fictício da Psicanálise - já se debruçou sobre as discussões a respeito da noção de "sexo" em Freud? Mais do que isso, será que ela tem o mínimo de interesse e ou condições (tempo e recursos principalmente) de fazer isto? Provavelmente ela construiu uma concepção simplificada da Psicanálise baseada única e exclusivamente naquilo que ouviu falar ou leu de maneira despretenciosa.¹

domingo, 10 de junho de 2012

Apenas no começo de uma nova ciência...

Autor: Vinícius Garcia

O texto abaixo foi redigido como esclarecimento aos pais de uma criança autista, cuja mãe era psicóloga e afeita à psicanálise. Baseado em citações de Freud presentes na excelente monografia de autoria de Pedro Sampaio - Psicanálise e Behaviorismo Radical: um paralelo epistemológico -, trata-se de um texto que sintetiza didaticamente informações históricas importantes que possivelmente se relacionam com o atual embate epistemológico entre psicanalistas e analistas do comportamento no campo do tratamento do autismo.


domingo, 3 de junho de 2012

Ciência, cientificismo e outros "ismos"


Autor: Pedro Sampaio



A estima com relação à ciência parece variar desde a total confiança até o mais completo descrédito. Há desde aqueles que tomam “científico” como sinônimo de “verdadeiro”, até aqueles que vêem a ciência como uma maneira limitada de compreender os fenômenos, além de viver mais de erros do que de acertos.

Muitos de nós conhecemos pessoas que representam bem estes dois extremos. Por exemplo, não é incomum conhecermos pessoas que, por ouvirem na televisão que os cientistas descobriram que comer ovo faz bem, passam imediatamente a comer ovos. Se no mês seguinte lêem no jornal que cientistas descobriram que comer ovo faz mal, imediatamente cortam os ovos de sua dieta. Da mesma forma, rejeitam práticas diversas sem sequer a conhecerem por não serem “comprovadas científicamente”, mesmo sem saber exatamente por que não o são.

No outro extremo temos aqueles que acreditam que a ciência respaldar ou rejeitar algo não quer dizer muita coisa. Afinal, se os cientistas dizem hoje que ovo faz bem e daqui a um mês que faz mal, qual a credibilidade? Além de tudo, a ciência parece rejeitar coisas que para muitos parecem fazer muito sentido, como a astrologia, e práticas cujos resultados eles já sentiram na pele, como a homeopatia. Como a ciência poderia saber mais que minha própria experiência?

O meio acadêmico reflete, de uma forma ou de outra, essa amplitude de pareceres do senso comum com relação à ciência. Assim, há também no meio acadêmico um debate a respeito do ônus do conhecimento científico, destacadamente entre as ciências ditas humanas e sociais. Não é raro ouvir em uma universidade tanto professores quanto alunos dizendo coisas como “claro que isso é verdade! Isso é cientificamente comprovado!” ou “essa visão sua é muito cientificista. É muito reducionista, você têm que considerar coisas que fogem do escopo da ciência”.

Mas afinal, o que significa ser “cientificista”, “reducionista”, “positivista” e outros adjetivos similares frequentemente utilizados para taxar defensores de uma compreensão científica dos fenômenos?

sexta-feira, 25 de maio de 2012

A promiscuidade paradigmática da neurociência

Autor: Daniel Gontijo

Como a neurociência é um campo interdisciplinar, sua pluralidade paradigmática não é coisa de se espantar. Contudo, há paradigmas que parecem ser mais permeáveis ou ajustáveis a mais níveis de análise. Pode-se, por exemplo, encarar os objetos e eventos relacionados ao comportamento, à fisiologia e até mesmo à bioquímica à luz do cognitivismo. O cérebro poderia ser concebido como uma máquina computacional (que computa ou processa informações), tendo a "codificação", o "armazenamento" e a "recuperação" de informações como alguns de seus processos. Um paradigma abarca não só conceitos e uma teoria, mas também crenças, valores e técnicas particulares. Como venho percebendo, o cognitivismo figura como o paradigma psicológico/comportamental predileto dos neurocientistas. Ainda assim, o mundo das informações parece não ter conseguido abraçar todo o campo das redes neurais, e o linguajar da comunidade neurocientífica procura compensá-lo de outras maneiras.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

O Círculo: um pouco de história

Domingo no Café Status, Savassi (2011)
Na primeira década do século XXI, três estudantes de Psicologia da PUC-MG participavam do grupo de estudos de Análise do Comportamento da universidade. Concomitantemente, um recém-graduado em Psicologia pela universidade FUMEC começava uma especialização em Neurociências na UFMG, aprofundando seus estudos em psicologia cognitiva e curioso sobre por que analistas do comportamento rejeitavam o cognitivismo; um estudante do Centro Universitário Newton Paiva se aprofundava ainda mais em seu estudo sobre a Análise do Comportamento para poder escrever sua monografia; e um psicólogo, trabalhando com casos difíceis de atraso de desenvolvimento, vinha descobrindo na Análise do Comportamento uma maneira mais eficaz de tratar esses difíceis e diversificados casos. Todos tinham em comum uma voraz fome por conhecimento, uma atração por temas filosóficos e, é claro, acesso à internet.

Pois foi através da internet, na comunidade de Análise do Comportamento do Orkut, que se conheceram. Debatendo sobre temas diversos, concordando em algumas coisas e discordando na maioria delas, descobriram que moravam todos em Belo Horizonte. A ideia de se encontrarem pessoalmente foi crescendo até acontecer, já no final de 2009, uma reunião na região da Savassi. O encontro foi tão bom, e o debate tão estimulante, que acabaram realizando outro, e outro, e outro... até que a reunião em plenos domingos pela manhã (sim, aos domingos!) para um café e um debate tornou-se hábito para os então estudantes da PUC-MG (Guilherme Farnezi, Pedro Sampaio e Ramon Cardinali), o especializando em Neurociências (Daniel Gontijo), o estudante da Newton Paiva (Júnio Rezende) e o psicólogo da APAE-BH (Vinícius Garcia).

Assim nasceu o Círculo da Savassi – nome que veio de uma brincadeira sobre o célebre Círculo de Viena –, ao qual outros tantos já se somaram (com frequência assídua ou esporádica) e, por motivos particulares, o deixaram. Seus membros, que se tornaram amigos e colaboradores, decidiram recentemente inaugurar este blogue: um locus virtual para reunir textos e vídeos, propiciar debates e, o mais importante, para que outras pessoas que tenham atração por temas científicos e filosóficos possam participar da conversa.
A equipe.